3 de fevereiro de 2021 - 13h24
(Crédito: iStock)
As próximas semanas marcarão o primeiro início de ano sem Carnaval de nossas vidas. O peso da ausência não é pela folia em si, que não agrada a todos. Mas o hiato na catarse coletiva mais emblemática da cultura nacional deixa no ar um silêncio estranho. Parece que aumenta o vácuo de onde emergem o ambiente mais hostil para os negócios dos últimos anos, os novos lances na já tradicional instabilidade política brasileira e a incômoda imprevisibilidade imposta pela pandemia. Há um ano, ninguém imaginava que as restrições necessárias ao combate à Covid-19 pudessem durar tanto tempo. Também eram incalculáveis os impactos vistos na economia, nas relações de trabalho, no planejamento das empresas e no desempenho da indústria criativa.
Nos Estados Unidos, uma das consequências será um Super Bowl como nunca se viu. No próximo domingo, dia 7, além da presença de público em apenas 20% do Raymond James Stadium, em Tampa Bay, na Flórida, estarão ausentes dos intervalos mais caros do planeta marcas tão intrinsecamente ligadas ao jogo como a bola The Duke: uma lista encabeçada por Budweiser, Coca-Cola, Pepsi e Procter & Gamble. As razões e os desdobramentos dessas desistências são o assunto da reportagem que merece o destaque principal na capa da edição semanal de Meio & Mensagem.
Já no Brasil, os movimentos citados afetam o mercado de comunicação justamente no momento que sofre a maior ruptura nos parâmetros de autorregulação comercial. É claro que, no âmbito da iniciativa privada, sempre houve contratos particulares entre anunciantes, agências e veículos estabelecidos em concordância entre as três partes envolvidas e não necessariamente obedecendo à risca as regras de autorregulação expressas pelo Conselho Executivo de Normas-Padrão (Cenp). Mesmo assim, a retirada da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) do órgão, anunciada em 22 de janeiro, é a maior ruptura institucional ocorrida no mercado brasileiro nas últimas décadas.
Reportagem publicada na edição semanal de Meio & Mensagem contextualiza as animosidades que motivaram a decisão, que vão desde a discordância de parte dos anunciantes com as regras vigentes, que para alguns não fazem sentido no desejado contexto de mais liberdade e autonomia, até a dificuldade de se manterem em conformidade legal com os documentos que assinam — em uma época em que compliance é pedra intocável em muitas corporações e, muitas vezes, a voz dos advogados soa mais alto do que a dos executivos de marketing.
A matéria descreve, ainda, os primeiros movimentos de reação de agências e veículos, surpreendidos pela saída da ABA. O plano inicial é o de manter empresas anunciantes e seus executivos ativos no Cenp, ocupando vagas em comitês e grupos de trabalho. A reportagem também revela que uma consultoria externa está trabalhando para ajudar o Cenp a se reestruturar: a ToF – Traduzindo o Futuro, dos sócios Jorge Forbes e Silvio Genesini.
O olhar de especialistas de fora pode ajudar a encontrar novos caminhos, mas a acomodação de anseios é dificultada pela grande pulverização da indústria de comunicação, na qual hoje convivem players tradicionais com menos força do que tinham no passado, gigantes globais pouco dispostas a se adaptar às particularidades das regras nacionais de autorregulação e startups relevantes na oferta de serviços antes inexistentes. Adicione-se aí a disposição do Governo Federal de minar o modelo comercial estabelecido na publicidade brasileira e a postura mais controladora das empresas anunciantes, que não param de internalizar funções antes delegadas às agências e muitas vezes usam como mídia seus próprios canais digitais.
Tal conjuntura faz do atual ambiente institucional o mais complexo dos últimos tempos para acordos amplos, como foi o Cenp em 1998, quando entraram em vigor as normas-padrão. Há muito trabalho pela frente.
*Crédito da foto no topo: Reprodução