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Opinião

Estaremos alienados diante das mudanças na comunicação?

Será que não estamos ficando um pouquinho alienados, e perdendo o contexto das coisas, diante de tantas mudanças que o mercado de comunicação está passando?


4 de abril de 2017 - 13h23

Após ter passado os últimos três anos acompanhando (ou melhor, tentando acompanhar) o South By Southwest no Texas, este ano decidi inovar e fui parar, literalmente, do outro lado do mundo. Na mesma semana do South By peguei um avião rumo à Suíça, para acompanhar o World Communications Forum (WCF).

Foto: Reprodução

Foto: Reprodução

Na pauta, nada de tecnologia digital, realidade virtual ou debates sobre como a Inteligência Artificial vai mudar as nossas vidas. Em vez disso, as discussões versavam sobre como a comunicação pode salvar vidas, no caso dos refugiados do Sudão. Como os países podem promover suas marcas, com o objetivo de fomentar as identidades nacionais e evitar a xenofobia. E como a mídia é protagonista para definir a agenda global, cada vez mais distinta entre Ocidente e Oriente.

Parece papo cabeça – e é. Mas não um papo cabeça de geeks e nerds, como ficamos acostumados a acompanhar nos últimos tempos na nossa indústria. Desta vez a pensata vem de cerca de 300 comunicadores ligados à cena política e diplomática internacional. Não é para menos. Criado há oito anos por um grupo de comunicadores europeus, o WCF acontece anualmente sempre depois do World Economic Forum (WEF), em Davos. Seus organizadores participam das discussões do WEF, estimulam os debates, entendem as tendências globais e as traduzem para o mundo das comunicações. O WCF tem alguns capítulos internacionais, em outros países, e um evento maior de discussão global sempre um mês ou dois após o WEF. Este ano, esse evento foi batizado de Geneva Week.

Sem exagero, foi uma das experiências mais ricas que eu tive nos últimos tempos.

Pode-se dizer sem receios que o WCF é um peixe fora d’agua dos grandes eventos globais de comunicação. E, talvez por isso, ele está se tornando um dos mais relevantes. O WCF não preza a criatividade, como Cannes. Não é focado em tudo-o-que-você-precisa-saber-para-hackear-sua-própria-vida-em-todos-os-aspectos, como o South by Southwest. Não celebra a indústria e suas conquistas – como o Clio e o Effie, para o mundo da publicidade, ou os eventos da PRWeek e do Holmes Report, para o mundo do PR. E nem discute o mercado, como quase todos os outros eventos. Glamour? Passa longe. Mas o WCF tem uma vantagem: ele abre uma nova perspectiva em relação a temas que, em sua maioria, estão completamente fora do radar do nosso dia-a-dia nas empresas e nas agências – sejam elas de publicidade, digital, PR, comunicação ou whatever.

O que mais chama a atenção no evento é justamente a diversidade de temas e pessoas. Sem exagero, cerca de 90% da audiência é formada por comunicadores da Europa, Oriente Médio e Ásia/Pacífico. Havia pouquíssimos norte-americanos e raríssimos latino-americanos. Ingleses? Just observing, as usual. Talvez por isso as discussões eram muito mais orientadas a questões relacionadas a política, diplomacia e novos desafios sociais que o MUNDO atravessa.

Sim, discutir AI, VR, todas as siglas e tendências tecnológicas, a crise do mercado, a mídia programática etc. etc. etc. é super importante e fundamental para o nosso negócio. Mas estar antenado com as ferramentas, por si, é algo suficiente para podermos atuar da forma que deveríamos?

Para ter uma ideia da agenda, apenas um dia do WCF é dedicado à discussão da comunicação corporativa por si, para empresas. Um painel sobre startups, por exemplo, esquentou ao debater como elas podem mudar o ecossistema de suas cidades ao gerar protagonismo social para quem participa delas, colocando o poderio das nações e seu potencial comercial no centro das questões.

WTF?

Se fosse no Brasil ou nos Estados Unidos, provavelmente metade de um painel como esse seria gasto para descrever qual é o negócio/mercado que aquela startup inventou ou provocou disrupção. E a outra metade seria para celebrar o empreendedor e seu ego.

Perspectivas muito diferentes, convenhamos.

Está na agenda do WCF – e na minha pessoalmente, uma vez que agora me tornei seu novo representante, com muita honra – chegar à América Latina muito em breve. Já não era sem tempo: aqui vivemos desafios sociais, políticos e econômicos tão relevantes quanto os do outro lado do mundo. E, convenhamos, nosso mercado anda precisando cada vez mais de conteúdo relevante e reflexões profundas nesses aspectos.

Sim, discutir AI, VR, todas as siglas e tendências tecnológicas, a crise do mercado, a mídia programática etc. etc. etc. é super importante e fundamental para o nosso negócio. Mas estar antenado com as ferramentas, por si, é algo suficiente para podermos atuar da forma que deveríamos? Será que não estamos nos afastando da essência do que nós, como comunicadores, temos realmente que fazer?

Será que não estamos ficando um pouquinho alienados, e perdendo o contexto das coisas, diante de tantas mudanças que o mercado de comunicação está passando?

Você pode argumentar que isso tem a ver com a característica do mercado, que preza outro tipo de abordagem de negócio, em que as empresas estão focadas em seu objetivo essencial – gerar lucro para seus acionistas

Pare um pouquinho para pensar: qual foi a última vez que você refletiu sobre o contexto político, econômico e social do Brasil – e do mundo – ENQUANTO VOCÊ ESTÁ TRABALHANDO, de modo a aplicar isso nos jobs que você desenvolve no dia-a-dia?

É, a resposta dói.

Você pode argumentar que isso tem a ver com a característica do mercado, que preza outro tipo de abordagem de negócio, em que as empresas estão focadas em seu objetivo essencial – gerar lucro para seus acionistas. E que, na dinâmica da guerra comercial que travamos ao atender nossos clientes (e eles, nas batalhas diárias para conquistar consumidores e liderar seus mercados), nossa verdadeira missão é ajudar as empresas a resolver seus problemas de negócios por meio da comunicação. E qualquer outra abordagem é tirar o foco do que realmente interessa.

É verdade. Essa É a realidade, e não há nada de errado com ela.

Mas será que tem que ser SÓ isso?

Será que o tão falado propósito que ajudamos nossos clientes a perseguir e a comunicar – de modo legítimo e autêntico, para engajar as pessoas ao redor de seus valores e causas – não seria JUSTAMENTE trazer para o dia-a-dia essa perspectiva de impacto político, diplomático, econômico e social de tudo o que fazemos?

Eis a reflexão que o WCF provocou. Durma-se com um barulho desses.

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