8 de junho de 2017 - 8h00
As plataformas digitais estão dominando o mundo, e com a ajuda da inteligência artificial embutida nos seus produtos, vão eliminar boa parte dos processos (e empregos) associados ao marketing tradicional — como aconteceu com a indústria de conteúdo musical e jornalístico. Os jornais americanos viram no ano passado sua receita declinar ao nível de meio século (sim, 50 anos) atrás. E o número de pessoas empregadas nas gravadoras de música é a metade do que era no início do milênio.
Foto: Reprodução
Do outro lado da gangorra estão organizações que em sua maioria não têm mais de 20 anos de existência, mas que são seis das dez maiores empresas em valor de mercado na Bolsa de Nova York: Apple, Google, Microsoft, Facebook, Amazon e Alibaba. Boa parte do seu crescimento pode ser explicada por um princípio da economia das redes chamado de “externalidades”, que de forma simplificada podemos definir como o aumento de valor e utilidade percebida de um produto ou serviço na medida em que ele é usado por mais e mais pessoas.
O caso da Amazon é ilustrativo: para dar conta de todos os processos envolvidos com a compra e venda de milhares de produtos, ela teve de montar uma vasta estrutura de servidores e desenvolveu uma enorme capacidade de processamento e análise de dados. Isso possibilitou em 2006 a criação da Amazon Web Services, empresa encarregada de “oferecer capacidade de processamento e armazenamento de dados, entrega de conteúdo e outras funcionalidades para auxiliar no crescimento e ganhos de escala de seus clientes”.
Com uma receita de 9,8% do faturamento do site (US$ 12,2 bilhões contra US$ 123,7 bilhões, respectivamente), ela foi responsável por 74,2% do lucro operacional total de US$ 4,18 bilhões da Amazon.
O próximo passo dessas plataformas envolve, em diversos graus, a produção e distribuição de conteúdo e a automação dos diversos processos derivados, entre os quais o marketing e a publicidade. Segundo o vice-presidente de inovação da Neftlix, cerca de 80% dos mais de cem milhões de horas diárias de streaming de conteúdo dos seus usuários são realizadas com base no algoritmo de recomendação da empresa. Não vai demorar para esses processos serem replicados em larga escala na publicidade.
O Google parece ter dado mais alguns passos nessa direção quando anunciou no final de maio, na Google Marketing Next, o lançamento da Google Atributtion, um conjunto de iniciativas para avaliar o peso de cada ponto de contato da marca na decisão final de compra do consumidor (veja a palestra de abertura aqui). A montagem de modelos de atribuição, tradicionalmente um processo caro, demorado e sempre carregado de incertezas, era algo que somente marcas com muitos recursos financeiros (e certa sofisticação intelectual por parte de seus dirigentes) podiam fazer. Se o Google for bem-sucedido na tentativa de adaptar isto para diferentes mercados, regiões geográficas e tamanho de empresas, podemos aguardar grandes deslocamentos de verbas nos próximos anos, tanto em termos de meios quanto de veículos e ações específicas para capturar e avaliar a atenção do consumidor.
É certo que em algum momento vamos ver ações de governos ou grupos de indivíduos para de alguma forma tentar controlar o enorme poder destas plataformas — como a União Europeia fez com a Microsoft em meados da década passada e já começa a indicar tentativas similares em relação ao Google e Facebook. Mas este tipo de iniciativa quando muito vai retardar um processo que parece inevitável.
Nossa presença no Facebook, Twitter, Instagram e outras redes é uma projeção daquilo que desejamos que os outros acreditem que somos, enquanto nossas buscas no Google revelam nossos anseios reais
Como as organizações de menor porte podem prosperar neste tipo de ambiente? A maior parte das que conseguirem sobreviver de forma relativamente independente (sim, a venda para um dos “gigantes” também é uma estratégia de saída bem-sucedida) vai ter de desenvolver alguma especialização em nichos. Uma das mais interessantes para agência e veículos me parece ser a resultante da combinação de algoritmos, conteúdo e criatividade.
Como destaca Seth Davidowitz no recém-lançado Everybody Lies: Big Data, New Data, and What the Internet Can Tell Us About Who We Really Are (US$ 14,99 no Kindle), o poder do big data não está no volume nem na velocidade com que os dados podem ser processados, mas na nossa capacidade de encontrar padrões (“agulhas”) em uma pilha crescente de dados (“palheiro”).
Entre as muitas relações interessantes sobre volumes de busca feitos no Google, dados de pesquisas tradicionais e o senso comum, ele destaca por exemplo que “adultos com filhos são 3,6 vezes mais passíveis de contar ao Google (por meio dos termos que usam em suas buscas) que eles se arrependeram da sua decisão do que adultos sem filhos”.
Nossa presença no Facebook, Twitter, Instagram e outras redes é uma projeção daquilo que desejamos que os outros acreditem que somos, enquanto nossas buscas no Google revelam nossos anseios reais (“never compare your Google searches to everyone else’s social media posts”). É no entendimento desta distância criada pelas plataformas, e na criatividade para explorar como as marcas podem preencher este vazio, que a comunicação tem espaço para crescer. Ocupar este espaço vai exigir tanto o domínio dos algoritmos quanto das emoções, dentro de uma velocidade e custo compatível com uma concorrência internacional crescente para agências, veículos e anunciantes. Como dizia aquela antiga praga chinesa, “que você viva tempos interessantes”. Sem dúvida nenhuma, serão.