Eu digital e eu real
NFTs mostram que vivemos tempos em que o status digital é, às vezes, mais valorizado que a vida real
NFTs mostram que vivemos tempos em que o status digital é, às vezes, mais valorizado que a vida real
Os NFTs (tokens não-fungíveis, na sigla em inglês) são uma espécie de criptomoeda que, diferentemente das mais conhecidas, como o bitcoin, são únicas, indivisíveis e podem carregar arquivos digitais de áudio, vídeo, imagens ou texto. Isso os tornou atrativos a artistas, que podem registrar e negociar suas obras em blockchain. O mercado explodiu.
Só no primeiro trimestre de 2021, foram gastos US$ 2 bilhões com NFTs, mostrando a força financeira desse mercado. Por meio dessa tecnologia, artistas que produzem arte digital podem ser pagos por seus trabalhos e terem suas obras autenticadas como originais, pois os dados, em blockchain, são permanentes, imutáveis e públicos. Na música, cantores podem monetizar diretamente com seus fãs, sem intermediação de agenciadores, produtores e distribuidores.
Mas o que simbolizam de fato os NFTs? Assim como as pessoas compram produtos exclusivos, assinados ou de grife, aqueles que estão mergulhando nos NFTs compram esses assets digitais por motivos parecidos: ter direito à exclusividade ou apoiar o trabalho de artistas que admiram.
Em resumo, o NFT é uma outra forma de expressão e manifestação de patente que permite às pessoas manifestarem seu gosto particular, tal como o uso de itens exclusivos. É como se só você tivesse aquele produto, porém, no mundo digital. Estranho? Pois é, vivemos novos tempos, em que é perceptível como, cada vez mais, o status digital é mais valorizado que a vida real.
O sociólogo francês Jean Baudrillard diz que vivemos em uma era cujos símbolos têm mais peso e força que a própria realidade. Desse fenômeno, surgem os “simulacros”, simulações malfeitas do real que, contraditoriamente, são mais atraentes ao espectador do que o próprio objeto reproduzido. Talvez essa teoria se encaixe bem a NFTs, principalmente quando observamos a valorização financeira desse material de consumo.
E como isso se aplica às marcas? A Coca-Cola lançou recentemente sua primeira coleção de NFTs no Dia Internacional da Amizade. Uma versão digital de uma máquina de venda automática com três ativos exclusivos: um casaco da marca, para ser usado no jogo Decentraland; um arquivo de áudio com sons de uma garrafa abrindo e do refrigerante sendo servido; e cards colecionáveis sobre amizade. Outra marca a apostar nesse nicho é a Havaianas. O leilão de sua primeira coleção de artes digitais inéditas, desenvolvidas pelo designer e artista brasileiro Adhemas Batista, teve um dos itens arrematado por R$ 5,6 mil.
As duas ações foram beneficentes. No caso da Havaianas, 7% do lucro foi destinado ao projeto Favela Galeria.
Ações desse tipo não param por aí. Há desde sabores exclusivos das batatas Pringles até sabores especiais da Pizza Hut, no Canadá. A pizza virtual foi comprada pela bagatela de 5 ETH, ticker do ether, a criptomoeda da rede Ethereum, segundo maior criptoativo do mundo, atrás do bitcoin. Na cotação da época, o valor era equivalente a US$ 8.496, ou mais de R$ 40.000.
Os consumidores colecionam e fazem isso por diferentes motivos: prazer, status ou investimento. Quem não se lembra das pelúcias da Parmalat? Essa prática está presente em nossa sociedade, no mundo físico, há centenas de anos.
Como diria o sociólogo francês Pierre Bourdieu, o capital cultural pode ser tão poderoso quanto o econômico, pois, juntos, geram um poder real num mundo onde o glamour e a detenção de produtos exclusivos geram um capital social amplo, fazendo os seguidores admirarem esses influenciadores e querer copiá-los. E transformam os donos desses produtos digitais em pessoas realmente poderosas, capazes de dominar o discurso sobre consumo, moda e lifestyle.
É fato que tecnologias como a realidade aumentada, o blockchain e os NFTs estão redefinindo a forma como possuímos e transferimos valor. É um importante campo no qual as marcas podem conversar com os consumidores. Num mundo cada vez mais digital, somos avatares em busca da vida perfeita em jogos como GTA V ou Minecraft. Isso porque nessa esfera virtual é possível, independentemente dos percalços da vida real, ser alguém diferente da realidade. Vale ficarmos cada vez mais atentos aos desejos do público e como essa vida na “Matrix” digital vai mexer com os meios de consumo.
*Crédito da foto no topo: Reprodução
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