Eu quero desaprender
Esse processo mental desafia nossas crenças e pode ampliar a nossa compreensão de mundo, mas não é fácil
Esse processo mental desafia nossas crenças e pode ampliar a nossa compreensão de mundo, mas não é fácil
Quando foi a última vez que você desaprendeu algo pela primeira vez? Essa reformulação de pensamento com carinha de post motivacional é algo que tenho me perguntado com frequência, e pergunta essa que responder vem sempre com um desafio mental. Aprender eu sei bem, desaprender nem tanto. Desaprender não consiste apenas em adquirir novos conhecimentos, mas em abandonar um conhecimento antigo que pode estar impedindo nosso progresso e crescimento. Pode ser algo muito transformador, mas precisa de atenção e intenção.
Atenção ao que acontece ao meu redor e como eu formulo minha opinião é um grande motivador dessa reflexão. Atualmente, muitos estímulos vêm de observar bem de perto esse fenômeno nacional da cultura pop que toma conta de um terço de cada ano, movimenta inúmeras conversas, pautas de mídia, patrocínios, cartas abertas, notas de repúdio, hashtags, publis chamado Big Brother Brasil. Fenômeno, aliás, que eu não entendo como alguém dessa nossa indústria escolhe ignorar. Não gostar do formato do programa e não seguir os enredos do sofá eu entendo 1.000%, mas não acompanhar o impacto que ele tem na pauta de conversas e movimentações de mídia eu acho quase como não aproveitar o acesso a um curso gratuito em comportamento humano e desenho de narrativas. E aqui um disclaimer: sim, vejo com consciência de que existe uma exposição de pessoas e pautas em prol de audiência, e pessoas essas que assinaram um contrato apostando ter como retorno muito dinheiro e muita fama.
Todo ano, o BBB tem um grande tema que permeia o programa e, por consequência, muito da conversa gerada dentro e fora dele. Ano passado, foi o racismo e suas inúmeras micro agressões invisibilizadas pela maioria. Esse ano, o tema “esvaziamento de pautas” veio com força e junto com ele um subtema, vamos assim chamar, que é religião. Na linha “vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?” (espero que as novas gerações tenham essa ref), a pauta é um reflexo do que a sociedade está vivendo ou ela dá o tom da narrativa como sociedade?
Veja bem, eu não espero do BBB uma resolução desses temas e neste artigo não vou elaborar o porquê não devemos esperar – de repente, pode ficar para uma próxima. O que o programa traz (e as redes sociais elevam), cada vez de uma forma mais elaborada, eu acho, são personagens complexos que nos provocam a sair do lugar binário de audiência julgadora que já tem pré-definido o que é certo e o que é errado.
“Esvaziamento de pauta” não é uma conversa que surgiu no BBB. O BBB criou um momento em que isso pode ser observado com uma lente mais apurada, porque é justamente sobre isso esse tal experimento. Não é nenhuma novidade que pautas que envolvem raça e gênero são diretamente conectadas com conversas que envolvem religião. E que o contexto nacional ajuda a gravitacionar os ângulos e lados dessas conversas. E que o contexto individual define o que a gente pensa sobre essas conversas.
Se você se distanciar para observar, pode conseguir ver. E é aqui onde eu conecto com a história de desaprender: só é possível se eu tiver a capacidade de ver além dos meus paradigmas, preconceitos e crenças, e, então, abrir espaço para novas perspectivas.
Quando foi a última vez que você questionou os seus preconceitos, estereótipos e competências? Quando você parou para pensar se suas crenças são baseadas em evidências e vivências ou foram herdadas sem questionar?
Esse processo mental desafia as nossas crenças existentes e pode ampliar a nossa compreensão de mundo. Mas desaprender não é fácil. Requer experimentação, abertura ao fracasso e paciência. É um processo gradual, que leva tempo e esforço. Ele também vem cheio de frases motivacionais à la “encontre conforto no desconforto”.
E isso não se aplica somente ao BBB, mas também ao nosso crescimento pessoal e profissional. Imagine um gestor que aprendeu e segue um estilo de liderança tradicional, hierárquico e meritocrático. Ao desaprender velhos paradigmas e desenvolver um olhar de maior pertencimento e autonomia com responsabilidade, por exemplo, vai promover melhores oportunidades de desenvolvimento ao seu time e seus projetos. Aprender com o fracasso é outro aspecto do desaprendizado. A nossa sociedade estigmatiza o fracasso, mas desaprender esse medo transforma-o numa valiosa experiência. Isso nos torna resilientes, adaptáveis e dispostos a correr riscos.
Eu estava lendo sobre formas que ajudam esse desaprender e em meio a uma série de perguntas que te estimulam a questionar o que você aprendeu, duas chamaram mais minha atenção: 1) O que aconteceria se eu abandonasse essa crença? e 2) Eu estou realmente aberta a considerar uma perspectiva alternativa sobre essa crença?
Entender a origem das coisas nas quais a gente acredita ajuda a identificar áreas em que existe benefício e necessidade de desaprender. O que aprendemos sobre formato de família, sobre o desejo do outro, sobre o limite de um indivíduo dentro de uma sociedade, sobre fé. O contexto da nossa formação como individuos direciona nossas crenças, e entender que nem tudo o que a gente aprendeu e pensa representa uma possível verdade ou, mais ainda, a realidade das coisas e das pessoas, é um começo dessa jornada.
Assim, na vida, como no BBB, precisamos ter mais intenção no nosso papel como indivíduos e desaprender o que não nos ajuda a evoluir. Observar o BBB é colocar uma grande lupa em nós mesmos e ver como a branquitude é um lugar de vantagem do branco em uma sociedade estruturada pelo racismo, assim como é possível ver o quanto questões importantes para mulheres, pessoas negras, gordas e com deficiência, quando usadas para ganho pessoal, nos levam a grandes retrocessos que afetam as pessoas desses grupos diretamente.
Mas não é só no BBB que você consegue ver. Informação e oportunidade não nos faltam, então, deixo essa reflexão: quando foi a última vez que você desaprendeu algo pela primeira vez?
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