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Opinião

Falsas conexões

Lei das Fake News tenta costurar adesões para barrar o avanço da desinformação que compromete o financiamento do jornalismo profissional e afeta a sociedade em pontos sensíveis, como a saúde pública


4 de abril de 2022 - 9h44

(Crédito: Mix Tape/Shutterstock)

Bem mais complexas do que simplesmente mentiras embaladas com verniz de notícias verdadeiras, as fake news põem em xeque leis, governos, imprensa e confundem a população a ponto de afetar áreas sensíveis, como a de saúde pública. Muitas vezes, a distorção da realidade acaba não somente convencendo, mas instigando o compartilhamento, numa onda crescente de desinformação turbinada pelas redes sociais — fraude e manipulação existem desde sempre, mas, agora, o amplo alcance e a propagação veloz, com requintes trazidos pelo avanço tecnológico, causam efeitos muito menos restritos e bem mais nocivos.

Na medida em que mais pessoas creem e espalham, alimentam a confiança coletiva de que é mesmo real o que foi inventado ou deturpado. O movimento se alastra quando se vale de linguagens amigáveis, como a dos memes, e se aproveita de ambientes mais crédulos, onde o inverossímil tem mais aderência e onde não há a mediação mais cética e crítica das dúvidas e contrapontos que devem pautar o trabalho de curadoria do jornalismo profissional — quando este entra em cena, como nos esforços dos serviços de checagem, dá luz aos fatos, mas, muitas vezes, se vê enxugando gelo.

A popularização de uso do termo fake news corre paralelamente à sua banalização e às articulações que deixam nebulosas as fronteiras que as separam da realidade — o que ajuda a piorar o problema. Tornam a questão ainda mais turva a frequente confusão entre notícia e opinião na mídia profissional, as conexões estabelecidas entre informações falsas e fatos reais e a pretensa defesa da liberdade de expressão dos disseminadores de fake news, que evocam para si a bandeira anti-censura.

O fenômeno suscita debates e reflexões que afetam diretamente a indústria de comunicação, marketing e mídia, em aspectos fundamentais para sua sobrevivência, como os da credibilidade e do financiamento. Daí o envolvimento de diversos players e entidades representativas do mercado nas tratativas que antecederam a apresentação, na semana passada, da redação mais recente do projeto de Lei 2.360, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, conhecida como Lei das Fake News.

O texto vem sendo discutido desde 2020, mas a proximidade das eleições mais polarizadas dos últimos tempos aumenta sua urgência e pode incluí-lo na pauta de votação da Câmara dos Deputados nos próximos dias. A reportagem das páginas 28 e 29 narra as alterações na proposta de regulação, a influência do setor de comunicação nas últimas versões, as consequências para a publicidade digital e a interdependência com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

Apesar de ter sanado discordâncias ao abrir espaço para o compartilhamento de dados pessoais entre os provedores e terceiros prestadores de serviços, o que garante munição para a venda de publicidade direcionada, a Lei das Fake News ainda não é plena de consenso na indústria de comunicação, especialmente no que tange à remuneração aos veículos produtores de conteúdo jornalístico pelos provedores e plataformas digitais, prática que vem sendo institucionalizada também em outros países, mas ainda deve ser aperfeiçoada no projeto em análise no Congresso Nacional.

Embora aponte avanços, que deverão facilitar a responsabilização e punição de seus disseminadores, a nova lei não será capaz de acabar com as fake news, que continuarão andando de mãos dadas com a intolerância, alimentadas pela constatação de que histórias falsas costumam ser mais surpreendentes que as verdadeiras — portanto, têm mais potencial de chamar a atenção. As ferramentais digitais potencializaram um cenário que nos distancia da possibilidade de negar a clássica máxima de Joseph Goebbels, o ministro da propaganda de Adolf Hitler: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”.

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