Assinar

Futuro da marca refletirá futuro da cultura

Buscar

Futuro da marca refletirá futuro da cultura

Buscar
Publicidade
Opinião

Futuro da marca refletirá futuro da cultura

Existe uma mudança cultural em curso em relação a questão de gênero e seu impacto nas marcas será enorme


11 de agosto de 2020 - 14h02

(Crédito: iStock)

Quando Porsche lançou o Cayenne SUV nos EUA, em 2003, provocou revolta. A legião da marca, formada predominantemente por homens, se chocou com a ideia de o território então dominado por eles ser invadido pelas “soccer moms” (expressão utilizada para se referir às mães de classe média, que geralmente são donas de casa, moradoras do subúrbio e acompanham intensamente a rotina esportiva dos filhos, principalmente o futebol) levando as crianças para a escola e as compras de supermercado para casa. A Dr. Pepper, para evitar a associação de bebidas diet a mulheres, lançou em 2011 a Dr. Pepper Ten, que era expressamente para homens e cuja publicidade alertava as mulheres a se manterem longe daquelas dez calorias “masculinas”. Marcas e seus engajamentos e relações com os consumidores tradicionalmente imitam construções sociais, nas quais pessoas são ordenadamente encaixadas em conceitos pré-definidos e comportamentos de masculinidade e feminilidade.

Mas os ventos mudaram de direção. De acordo com a Ipsos, 34% de todos os norte-americanos discordam da afirmação de que “há somente dois gêneros — masculino e feminino — e não uma variedade de identidades de gênero”. Ao redor do mundo, em 35 países, 40% não concordam com a frase. Consumidores mais jovens são a vanguarda dessa mudança: quase 60% daqueles com idade de 13 a 21 (Geração Z), segundo o Pew Research, acreditam que formulários que perguntam sobre gênero devem incluir opções além de “homem” e “mulher”. Existe uma mudança cultural em curso em relação a questão de gênero e seu impacto nas marcas será enorme.

Marcas astutas foram rápidas em perceber e responder a esta mudança. A Billie, marca de lâminas de depilar para mulheres (recentemente adquirida pela P&G) satiriza com o fato de as marcas tradicionais do segmento (muitas, ironicamente, também da P&G) se esquivarem de mostrar pelos femininos. A Milk Makeup exibe seus produtos utilizando modelos transgêneras assim como homens e mulheres cisgêneros. Mas não são somente as marcas mais jovens e progressistas que abraçaram a mudança. Anunciantes como Carter’s, Gap e H&M estão vendendo roupas gender-neutral, a Mattel lançou uma boneca sem gênero e a Coca-Cola veiculou um comercial no Super Bowl com um aceno aos pronomes neutros. No Reino Unido, as marcas não têm escolha — a Advertising Standards Agency estabeleceu diretrizes para barrar a perpetuação de estereótipos de gênero e baniu campanhas de Volkswagen e Philadelphia, por violarem os pontos colocados pela entidade.

Para os anunciantes que estão buscando endereçar a evolução de gênero e incorporar isso na experiência de marca, não é suficiente elencar uma série de iniciativas. Para trazer mudanças culturais profundas para a estratégia da marca, os profissionais de marketing devem focar em três dimensões.

Relevância: seja relevante diante das mudanças de necessidades dos seus clientes. Isso começa com um trabalho de base para perceber como as percepções estão mudando, então, faça com que a marca adote a evolução e, ao mesmo tempo, continue sendo útil e significativa para o consumidor central. A funcionalidade “True Name”, da MasterCard — que permite pessoas transgênero e não-binárias a terem seus nomes reais nos cartões, em vez de obrigá-las a fazer uma mudança legal de nome —, demonstra reconhecimento da importância e da diversidade em torno da identidade. Em uma linha parecida, quando os consumidores reservam um voo pela United Airlines, agora têm a opção de selecionar U (undisclosed/não revelado) ou X (não-especificado) como escolha de gênero.

Autenticidade: seja autêntico em relação a essência da marca e mostre com credibilidade que você defende seus valores. Experiências autênticas de marcas brotam das crenças das próprias marcas, que, por sua vez, criarão uma estrela-guia. Não importa o assunto, finque o pé e mantenha-se firme. Como a Nike, que enfrentou as tempestades provocadas pelo seu apoio a Colin Kaepernick e à justiça racial. A Patagonia permanece fortemente vinculada a sua estratégia de conscientização ambiental e evita a tentação de entrar no assunto de gênero — sintoniza o marketing, apesar de pesquisas acadêmicas sugerirem que ser ecológico tem conotações femininas. Confrontada com backlash e boicote significativos, a Target, em vez de rever sua política de banheiros para transgêneros, investiu US$ 20 milhões para expandir suas opções de banheiros.

Inteligência: muitas vezes, o gênero serviu como função representativa no marketing, prescrevendo certas características para grupos de indivíduos. Em um mundo com dados copiosos sobre preferências e comportamentos individuais, ter de depender do gênero é simplesmente fazer um marketing terrível. Direct brands (como a Birchbox), que estão excepcionalmente posicionadas para capturar e atuar a partir de dados dos consumidores, podem fazer esse movimento para além da categorização de gênero, porque a variável demográfica não acrescenta valor significativo para elas. Uma análise linguística do BAV Group com 33 milhões de posts relacionados a gênero, ao longo de oito anos, aponta que “individualidade” foi o tema de conversa que cresceu mais rápido na intersecção entre marca e gênero. O que você prefere fazer: construir uma marca com base em adivinhação ou baseada em plataformas data-driven, ricas em insights, sobre preferências e comportamentos?

O modo com que olhamos para o gênero, como sociedade ou como anunciantes, está mudando. A mudança é real e irreversível, e as marcas estão descobrindo isso por elas mesmas. A Dr. Pepper Ten acabou sendo consumida mais por mulheres do que por homens, mas não o suficiente para dar um sopro de vida ao produto, que desapareceu, com exceção do site da Dr. Pepper, onde lá está, despido de sua misoginia. E as impensáveis SUVs, tão deslocadas com a suposta masculinidade da Porsche, agora são, de longe, as joias da coroa e os modelos mais bem vendidos do portfólio. É hora de as marcas evoluírem à medida que a construção de gênero arraigada na sociedade começa a ser desmantelada.

*Crédito da foto no topo: Pixabay

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • McLuhan que o diga

    Reflexões sobre o movimento de qualificação das mensagens das marcas sob a nova arquitetura dos meios

  • Qual o futuro da IA e o papel dos executivos na era da governança e da sustentabilidade?

    As principais reflexões do Gartner IT Symposium 2024 passaram por consumo energético, deepfakes e CIOs em ação