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Opinião

Gentileza para combater o etarismo

Preconceito por idade atinge, principalmente, as mulheres, mas marcas podem desmistificar envelhecimento


4 de abril de 2023 - 6h00

Crédito: Shutterstock

A notícia da estudante de biomedicina de 45 anos que sofreu deboches de três universitárias por sua idade trouxe luz a um amplo debate sobre o etarismo. Esse tipo de comportamento discriminatório não é incomum na nossa sociedade, mas o que chega a ser espantoso é o tema surgir a partir de um episódio que tem como protagonista uma mulher que acabou de entrar na meia-idade.

Tenho conversado frequentemente sobre como esse preconceito por idade atravessa nosso cotidiano, atingindo cada vez mais cedo, principalmente, as mulheres, seja por comentários invasivos sobre a aparência, seja pela subestimação no mercado de trabalho e na vida social ou pelo meio que eu considero o mais hostil de todos: a invalidação de possibilidades para pessoas mais velhas iniciarem novos projetos que, na maioria das vezes, representam a realização de um sonho, como é o caso da estudante de biomedicina.

Se formos nos atentar às estatísticas, chega a ser conflitante o volume de casos envolvendo etarismo em um país como o Brasil, onde o envelhecimento da população vem acontecendo de forma acelerada por um conjunto de fatores, entre eles baixas taxas de mortalidade precoce, aumento da expectativa de vida e redução da natalidade. O Ministério da Saúde, inclusive, projeta que em 2030 o Brasil já terá mais idosos do que jovens com idade entre zero e 14 anos. Além disso, o IBGE também divulgou em junho de 2022 que a parcela de pessoas com 60 anos ou mais passaram a representar 14,7% da população total em 2021. Esse percentual era de 11,3% em 2012 – um aumento de quase 40%.

Levantamento da consultoria EY em parceria com a Mutari também confirma que o país está cada vez mais maduro. De acordo com o estudo, atualmente, 26% da população brasileira tem mais de 50 anos e até 2040, 57% da força de trabalho terá mais de 45 anos. Histórias de repercussão nacional e tantas outras não divulgadas, mas que acontecem corriqueiramente nos corredores das empresas e no ambiente acadêmico mostram que o mercado de trabalho ainda não está preparado para esse futuro. Por isso, ainda são necessárias profundas reflexões para minimizar o conflito de gerações ainda muito presente na nossa sociedade.

Fazendo um recorte de gênero, nós mulheres, sem dúvida, somos as mais atingidas por essa cultura que incentiva a constante busca por uma aparência mais jovem, enquanto os homens com características maduras são considerados “charmosos” e “experientes”. Madonna no Grammy deste ano foi criticada por “parecer velha”, Xuxa foi vítima de comentários cruéis sobre sua aparência após completar 60 anos, enquanto a atriz e ganhadora do Oscar Michelle Yeoh revelou em entrevistas que já recebeu diversas indiretas sobre aposentadoria antes de seus mais recentes trabalhos.

Como grandes fomentadoras de tendências e discussões na sociedade, as marcas também têm uma grande responsabilidade em combater o etarismo. A indústria cosmética, por exemplo, tem a oportunidade de promover a inclusão e a diversidade, destacando a multiplicidade de características das pessoas em todas as suas etapas de vida. A representatividade é uma oportunidade de transformação nesse setor, e reverenciar diferentes idades, corpos e belezas em todas as esferas, em produtos ou em campanhas, deveria ser um objetivo em comum entre as marcas.

Felizmente, algumas delas já vêm se posicionando e adotando uma abordagem mais inclusiva e gentil em relação à idade há um bom tempo, incorporando, tal como a expressão “antissinais” em vez de “anti-idade”, um termo tão comum no mercado, mas que estigmatiza o passar do tempo, e oferecendo às mulheres soluções cosméticas para aproveitarem da melhor forma cada fase de suas vidas.

Por mais óbvio que pareça, precisamos ter consciência de que o envelhecimento é real e, por isso, não há razão dele estar associado a estereótipos negativos que limitam as oportunidades e a qualidade de vida das pessoas. Já é tempo de associá-lo a um dos momentos mais especiais da vida, em que a maturidade também nos traz confiança, autoconhecimento, serenidade e nos leva para lugares ainda não percorridos. É importante que a sociedade reconheça e combata o etarismo, promovendo a igualdade e tratando todos os indivíduos com respeito e dignidade.

As empresas, em especial as do setor de beleza, têm a oportunidade de liderar essa mudança, promovendo a inclusão e a diversidade em todas as idades e colocar em prática o que eu gosto de chamar de “gentileza das marcas”, isto é, humanizar o relacionamento com seu público para estabelecer uma profunda conexão com essas pessoas e a geração de impacto positivo em suas vidas. E isso inclui a desmistificação da ideia de envelhecimento e o rompimento das discriminações que ainda aprisionam as pessoas. Envelhecer é um privilégio e faz parte do ciclo da vida. E isso precisa ser entendido como é em sua essência: um processo natural e a benção de se ter vivido intensamente.

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