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Opinião

Homem versus Máquina

Debate quanto ao suposto antagonismo entre criatividade e plataformas tecnológicas volta à tona, mas não é novidade


3 de julho de 2017 - 12h52

O avanço dos métodos e tecnologias no desenvolvimento e aplicação da Inteligência Artificial, e o interesse crescente do público pelo assunto, reacendeu o debate quanto ao suposto antagonismo entre a capacidade para armazenamento e cruzamento de dados das máquinas e a criatividade humana. Embora bastante quente, vide a decisão do Publicis Groupe em não participar de festivais em 2018 para investir tais recursos em uma nova ferramenta de IA (batizada de “Marcel”, em homenagem ao fundador da Publicis), a discussão não é nova — e já foi explorada até na ficção para retratar ambientes de trabalho da década de 1960 em produções como Estrelas do Tempo e Mad Men, para citar as mais recentes.

Na série que se desenrola em torno do publicitário Don Draper, a instalação de um supercomputador, justamente no espaço em que os criativos da Sterling Cooper & Partners se reuniam para trocar insights, abre caminho para cenas e frases emblemáticas. Intitulado de “Monolito”, o quarto capítulo da sétima e derradeira temporada mostra o avanço da ciência e do cálculo sobre o território sagrado que a intuição e as grandes ideias ocupavam, soberanas, na publicidade.

Foto: Reprodução

“Por que não mostrar a todos os clientes que passarem por esta porta que essa agência chegou ao futuro?”, brada o executivo da SC&P, Jim Cutler, ao justificar a exposição da máquina em área central do escritório, celebrando o fim de uma era e o início emergente de outra. O recado final da nova hierarquia em vigor segue no alerta da responsável pela reorganização física das áreas da agência: “Quem tiver itens pessoais no lounge de criação, por favor, retire-os imediatamente. Tudo o que estiver por lá depois do meio-dia será considerado lixo.”

Em Mad Men, a reação da equipe é tímida e limita-se a resmungos e uma tentativa hilária de manter a posse do sofá instalado no reduto criativo então perdido. Já na vida real, no dia seguinte ao anúncio bombástico da Publicis, reportagem do AdWeek revelou que os criativos da Leo Burnett de Chicago (quartel- general e escritório de origem da multipremiada rede global) colocaram uma folha de papel, na qual lia-se “Marcel”, sobreposta ao nome do fundador na fachada da agência.

O bem-humorado protesto contra a decisão do CEO do Publicis Groupe, Arthur Sadoun, foi descrito pela publicação norte-americana como a realização de um dos últimos desejos do próprio Leo Burnett. No discurso em que anunciou sua aposentadoria da empresa, Burnett enumerou, para seus sucessores, as condições sob as quais o seu nome deveria ser retirado da porta de entrada da empresa. Uma delas dizia respeito ao dia em que os profissionais daquela casa passassem “mais tempo tentando ganhar dinheiro do que fazendo publicidade, o nosso tipo de publicidade”.

Ao optar pelo investimento em Marcel em detrimento dos festivais, Sadoun disse que atendeu a um pedido da nova geração de colaboradores do grupo “que não estava presente em Cannes” — tocando, assim, em ponto crucial das críticas que recebeu: a retenção de talentos

As raras informações disponíveis até aqui indicam que “Marcel” servirá como uma plataforma para conectar e organizar diferentes equipes, internacionalmente, dentre os mais de 80 mil funcionários da empresa, a partir de suas afinidades e habilidades, e de acordo com as necessidades de cada projeto. Sadoun afirmou, em uma rodada de perguntas e respostas promovida por meio de sua conta recém aberta no Twitter, que a ferramenta de inteligência artificial tem aderência total ao “Power of One”, um conceito de excelência em integração dos serviços dos escritórios da holding, prioridade máxima de sua gestão.

Ao optar pelo investimento em Marcel em detrimento dos festivais, Sadoun disse que atendeu a um pedido da nova geração de colaboradores do grupo “que não estava presente em Cannes” — tocando, assim, em ponto crucial das críticas que recebeu: a retenção de talentos. Esse é um desafio que as agências enfrentam há tempos, muito antes de o ano sabático da Publicis em festivais sequer ser cogitado. A ideia de Sadoun talvez passe por atrair jovens profissionais cuja ambição não tenha a ver com o reconhecimento em premiações.

Ainda é muito cedo para qualquer prognóstico quanto ao impacto da decisão da Publicis sobre seus negócios, incluindo os riscos aos quais expôs o brilho da marca ao tomar tal atitude (em Mad Men, para registro, Don Draper consagra os criativos no final da trama, quando fica implícito que ele assina um dos comerciais mais cultuados de todos os tempos). No curto prazo, porém, a habilidade de Sadoun em convencer suas equipes de que esse é um processo de soma e não de subtração — alicerçado na crença de que o futuro mora na união eficiente entre tecnologia e criatividade — será determinante para angariar dentro da própria companhia fortes aliados que banquem juntos a ousadia de sua aposta.

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