23 de abril de 2018 - 9h33
Recentemente, a convite de um cliente, passei dois dias em sua sede na Califórnia para uma imersão em sua cultura, processos e valores. Durante esse tempo, ouvi seus diretores e vice-presidentes falarem sobre a história e as metas. Além disso, eles compartilharam cases e nos explicaram como funciona o produto.
Por ser uma empresa de tecnologia, todos os palestrantes se sentiram obrigados a comentar o recente escândalo do Facebook e reafirmar seu compromisso com a segurança e responsabilidade com os dados que coletam de seus clientes. De fato, acredito que qualquer empresa ligada a dados, neste exato momento, deveria estar se perguntando se é um pouco vilã ou não. Com as agências de propaganda não pode ser diferente. Mas isso é assunto para outro artigo.
Um dos diretores trouxe um insight que chamou a minha atenção. Ao ser questionado sobre quais fatores os fazem entender as preferências de seus assinantes, ele respondeu que a empresa sempre considera muitas variáveis, mas que as listas montadas pelos usuários, apesar de serem uma delas, jamais eram avaliadas isoladamente. Segundo ele, listas de preferência são “uma imagem projetada de si mesmo”. Os usuários tomam uma decisão racional ao decidir o que entrará em suas listas, mas acabam consumindo outras coisas, por isso mais fatores eram considerados pelo algoritmo.
Ele continuou explicando que é um comportamento humano colocar nas listas o que se imagina ser o correto, mas que, na hora H, o que se consome é bem diferente. Para ilustrar o ponto, se esse cliente fosse a Amazon, seria como se os usuários escolhessem para suas wishlists Ulisses, de James Joyce, porém, de fato, acabassem lendo Brida, de Paulo Coelho.
Empresas de tecnologia possuem a vantagem — sobre outros anunciantes — de entender a fundo o comportamento de seus clientes. Para as marcas tradicionais, na hora de pensar a sua comunicação, restam os pré-testes que são, na minha opinião, a maneira mais equivocada já inventada de observar o comportamento humano. Esse tipo de pesquisa funciona exatamente como as tais listas do cliente que visitei. Ao perguntarem sobre hábitos, preferências e, mais ainda, sobre as reações emocionais que uma campanha causa no consumidor, elas acabam compilando as “imagens projetadas” que essas pessoas fazem de si, e não a realidade do seu comportamento.
A cabeça de um consumidor é como uma parede, e as informações que ele recebe durante o dia são quadros emoldurados. Já as ideias que tornam uma campanha boa são os pregos. É com uma boa ideia — irreverente, imprevisível e inesperada — que penduramos na memória dele o conteúdo sobre uma marca ou produto. É por meio desse recurso pontiagudo, afiado e incisivo, chamado ideia publicitária, que as pessoas acessam as informações que desejamos que elas jamais se esqueçam.
É inevitável, portanto, que, ao ser perguntado racionalmente sobre um prego, as pessoas tentem a deixá-lo abaulado. Destruir qualquer coisa ameaçadora e afiada é a “imagem projetada” de um comportamento aceitável. E é isso que vejo acontecer repetidamente nas salas de pré-teste.
Alguns profissionais concordam com o meu ponto de vista. Certa vez, um cliente pediu para fazer um pré-teste de uma campanha que íamos colocar no ar. Era o lançamento do Fiat Palio, e meu dupla e eu na época, o Marcelo Reis, criamos alguns filmes que apontavam os preconceitos tão enraizados na cultura brasileira com a assinatura “Você precisa rever seus conceitos”. Em um dos filmes da campanha, uma mulher via uma amiga (de pele branca) no banco de trás do carro enquanto um homem negro se sentava ao volante. “Amiga, que chique, tá de motorista!”, gritava ela antes de perceber que a amiga sentava ao lado de seu bebê mulato e que o homem negro era, na verdade, seu marido.
Durante o pré-teste, um dos entrevistados interrompeu o resto do grupo que discutia os prós e contras da ideia e falou: “Eu acho que a propaganda tá certa. E digo mais: o sujeito tinha que ser preto, judeu, bicha e aleijado. Tem que colocar logo tudo de ruim que tem no mundo, que é para acabar com o preconceito!”
O cliente foi esperto o suficiente para colocar a campanha no ar sem mudanças, mesmo com essa manifestação de incoerência e preconceito inaceitável. Nem sempre é assim. Às vezes acabamos mudando, abaulando a ponta do prego e anunciando para as imagens projetadas dos consumidores. Mas imagens projetadas não vão às compras.