13 de outubro de 2016 - 9h46
Pensem bem: quem de vocês não tem um amigo que é absolutamente afável no contato pessoal, mas transforma-se na bestafera das opiniões definitivas, dos comentários destrutivos e, muitas vezes, do mais puro bullying nas redes sociais? Duvido que alguém tenha respondido não a essa pergunta. Mas eu sou atrevido e vou ainda mais longe: quem de nós nunca postou algo raivoso ou arrogante, seja num grupo de WhatsApp, seja na timeline do Facebook? Não se acanhem em admitir. Eu vivo das palavras, trabalho com marketing e comunicação, produzo textos há décadas e garanto: várias vezes já me comportei por escrito como um verdadeiro babaca. Não que jamais tenha tropeçado em debates orais, mas a proporção de vezes em que tratei mal alguém por escrito em relação às ocasiões em que me comportei mal na língua falada deve estar ao redor de dez para um. As razões? Muitas. A primeira delas é que, como o mestre Ziraldo não se cansa de falar, já inventaram o ponto de exclamação e de interrogação — mas ninguém foi capaz de emplacar o ponto de ironia. Ele até propôs uma representação gráfica para o tal ponto: uma exclamação de cabeça para baixo, que remeteria à letra i de ironia. Genial. E à pontuação proposta pelo meu querido editor no antigo Pasquim21, eu acrescentaria os pontos de condescendência, de provocação, de “tô me achando”, de “só que não”, de “não me leve tão a sério”, de “vou falar um absurdo só para provocar”, de “eu não concordo exatamente com o que eu vou falar, mas quero dar uma cutucada”, entre
muitos e muitos outros.
“Quem de vocês não tem um amigo que é absolutamente afável no contato pessoal, mas transforma-se na besta-fera das opiniões definitivas, dos comentários destrutivos e, muitas vezes, do mais puro bullying nas redes sociais?”
A ausência dessa rica e valiosa pontuação nos obriga a escrever com cuidado e escolher bem as palavras, o que numa troca de mensagens que acontece com velocidade e estrutura semelhantes a um fluxo de pensamento é tarefa praticamente impossível. Para complicar-nos ainda mais, aparece uma questão ainda mais difícil: apertado o “send”, todas as bobagens arrogantes ou desrespeitosas que escrevemos ficam lá, gravadas na pedra, ou quase isso. Não por outra razão, eu tenho o transtorno obsessivo compulsivo de deletar todo o histórico de conversas dos grupos de WhatsApp. Eu não quero ficar me remoendo por coisas estúpidas que escrevi no calor do debate e sem a adequada pontuação de ironia e, além disso, Deus me livre de pensar em recorrer a uma troca de farpas de meses atrás para jogar na cara de alguém, apenas com o objetivo de desmascará-lo. Essa é uma atitude de quinta categoria que, caso alguém venha praticando, eu imploro: pare. O contexto no qual o pobre coitado do amigo postou aquelas mensagens tempos atrás provavelmente mudou dramaticamente. É muita apelação lançar mão desse recurso.
Além de todos esses fatores, há a tal história de que “o corpo fala”. E fala mesmo. Muito. Alguns corpos são verborrágicos, falam pelos cotovelos. E pelos joelhos, ombros, olhos, nádegas… Um jornalista do New York Times foi escalado para ver o primeiro debate entre Hillary Clinton e Donald Trump. Eu disse ver, não ouvir, nem acessar o Twitter ou qualquer canal de notícias. O jornal o proibiu de tirar a TV do mute e de acessar qualquer outra fonte de informação. Ele só viu o debate. Nenhuma palavra, fora algumas que ele capturou via leitura labial (a mais famosa delas, aquele insuportável “wrong!”, do Trump, interrompendo sua adversária sempre que era atacado). Terminado o exercício, o jornalista publicou uma matéria. E já no título ele deixava claro: mesmo sem ouvir uma palavra, ele sabia que Hillary havia vencido. O sorriso, a calma, a sensação que passava de estar se divertindo — em contraponto às bufadas, à inquietude e aos vários copos d’água bebidos pelo oponente — foram tão eloquentes quanto as palavras. Faz sentido. Porque quando nos comunicamos por escrito, ainda mais em textos curtos, não temos recursos poderosos como sorrisos, piscadelas, acenos e coisas assim. Não por outra razão os emojis fazem tanto sucesso. Eles nada mais são do que uma tentativa de incorporar regras alternativas de pontuação ao texto escrito. Ziraldo deve gostar deles.
Acho que, em linhas gerais, são esses os motivos que nos levam a ser tão chatinhos ao tuitar, ao postar no Face ou ao debater no WhatsApp. Ao menos são os motivos que eu consegui transmitir a vocês com palavras, já que batendo papo e tomando um café com os leitores eu certamente seria bem mais efetivo 😉 (piscadela, já que o Meio & Mensagem ainda não publica textos com emojis).
Para encerrar — e mesmo sabendo que esse recurso não surtirá grande efeito —, informo que este texto tem, acima de tudo, a pretensão de ser um pedido de desculpas para os amigos que eu eventualmente possa ter melindrado com palavras mal refletidas e mal escritas. Tudo, é claro, por causa da inexistência de um simples ponto de “é pilha, amigo”, que não sei por que diabos ainda não foi inventado.