Inteligência para todos?
Num ambiente fragmentado, perde-se a noção de onde vem a informação, seu grau de credibilidade e em que contexto as coisas acontecem
Num ambiente fragmentado, perde-se a noção de onde vem a informação, seu grau de credibilidade e em que contexto as coisas acontecem
“Estamos no negócio de tornar as pessoas mais inteligentes.” Foi com essa frase que Eric Schmidt, presidente da Alphabet, denominação guarda-chuva do Google e seus negócios, abriu a entrevista que deu no final de março aos alunos de jornalismo da Universidade de Columbia, em Nova York (EUA). Mediado por Steve Coll, atual diretor-geral da escola, autor premiado (dois Pulitzer) e colaborador fixo da revista The New Yorker, o painel teve como tema os rumos da inteligência artificial — algoritmos que conseguem interpretar e entender dados, e a partir disso tirar conclusões com boa margem de acerto e até tomar decisões.
Um dos executivos mais bem pagos do mundo (US$ 10 bi de patrimônio, encostado em Rupert Murdoch, segundo a Forbes), Schmidt destacou os desenvolvimentos que a gigante do Vale do Silício tem feito no reconhecimento de imagens. Além da identificação de rostos, já praticamente dominada, o próximo passo é identificar situações — abraços e festas por exemplo.
Impactos no jornalismo? “Em curto e médio prazos, não vejo nada além do que já está impactando, como jogos e resultados”, disse. Schmidt se refere aos experimentos do tipo que a agência Associated Press já vem fazendo na área de mercado de capitais e de esportes: a partir dos dados sequenciados de um pregão ou de uma partida de futebol, um software consegue compor um texto descritivo e factual. Há outras iniciativas similares no mercado de conteúdo, todas com algum grau de sucesso. A ideia é substituir a tarefa de compor um texto simples, quase “braçal” — se é que isso existe de fato. “Mas a reportagem e a análise sempre serão tarefas humanas”, completa Schmidt. “Ainda esperamos que os jornalistas almocem muito com suas fontes”, observou, para alívio e alguns sorrisos da plateia.
Mas o que pode a inteligência artificial fazer pelos leitores, diretamente, e não apenas pela produção de conteúdo? Ajudar a demanda e não somente a oferta? Num ambiente cada vez mais fragmentado, perde-se a noção de onde vem a informação, seu grau de credibilidade e em que contexto as coisas acontecem. E pior: confunde-se fato com opinião. Fiz essa pergunta para Schmidt — fragmentação é o tema central do trabalho que desenvolvo nesta universidade como pesquisador visitante. “A melhor resposta que temos hoje para isto ainda são as marcas, os detentores originais dos conteúdos”, disse Schmidt.E admitiu que se preocupam com o assunto.
Uma das manifestações da fragmentação é a dispersão e pulverização de informações que, distanciando-se de sua origem e contexto originais, ganham o ciberespaço recortadas ou adicionadas de comentários e opiniões, chegando ao público de maneira diversa. Na prática, diz-se que certa informação “saiu de controle” — entendido não como um filtro ou alguma forma de censura prévia ou restrição, mas a ruptura de uma informação com sua origem e contexto iniciais.
O assunto não está relacionado apenas com jornalismo. Todo o planejamento de comunicação e gestão de marcas (e de seus valores) já está impactado pela fragmentação. Nas gerações mais jovens — incluem-se aí os millenials —, preocupa a questão da media literacy — alfabetização midiática ou a capacidade de entender e interpretar o que está sendo lido, visto ou escutado. De novo, as marcas entram no debate, não só as reportagens investigativas. Se em meios e mensagens estáveis já preocupava a questão — hoje já antiga — do que o receptor iria entender do emissor, o que dizer do ambiente informativo fragmentado e saturado em que vivemos?
Os próximos passos da tecnologia aplicada à informação têm de ir nessa direção: ajudar o leitor, o cidadão, o consumidor a melhor entender e a se encontrar. Pelo que disse o chefão do Google, eles já estão com as mãos — e os cérebros — nisso.
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