Jogo truncado
Proliferação das marcas de apostas aumenta desafio do Conar em convencer plataformas globais de mídia a tirarem do ar as mensagens que infringem a autorregulamentação publicitária, especialmente nas redes sociais
Proliferação das marcas de apostas aumenta desafio do Conar em convencer plataformas globais de mídia a tirarem do ar as mensagens que infringem a autorregulamentação publicitária, especialmente nas redes sociais
11 de fevereiro de 2025 - 14h10
Prestes a completar 45 anos de funcionamento, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) enfrenta um dos maiores desafios de sua história: o baixo comprometimento das plataformas globais de mídia em acatar com agilidade as recomendações do órgão que, para serem integralmente cumpridas, demandam, entre outras providências, a retirada do ar de conteúdos publicitários veiculados em perfis pessoais de redes sociais.
O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária foi aprovado em 1978, durante o III Congresso Brasileiro de Propaganda, realizado em São Paulo, mas o Conselho começou a operar como entidade não-governamental independente em 1980. O órgão não tem poder punitivo, ou seja, suas recomendações podem ou não serem acatadas pelos anunciantes, agências, veículos de comunicação e plataformas de mídia. Historicamente, emissoras de TV e rádio, revistas, jornais, exibidoras de mídia out-of-home e sites nacionais de informação e entretenimento cumprem espontaneamente as recomendações do Conar, assim como a maioria dos grandes anunciantes e agências. Não se pode dizer o mesmo sobre a adesão das plataformas globais de mídia, mesmo quando a publicidade em questão configura-se em flagrante fraude.
O problema aumenta quando observados os dados sobre os julgamentos realizados pelo Conar no ano passado, revelados pela edição desta semana de Meio & Mensagem. Quase 53% das 308 ações abertas em 2024 dizem respeito à publicidade veiculada em redes sociais. Esse índice é ainda maior quando considerados os casos encerrados com penalizações.
Tal cenário ficou mais evidente com a proliferação de publicidade de marcas de apostas esportivas e cassinos online. Dos 188 processos finalizados com penalizações em 2024, 42 envolvem anunciantes do setor, o que representa 22,3%, superando segmentos como os de produtos e serviços para saúde e de bebidas alcoólicas, tradicionais líderes do ranking de mais punidos. As marcas de apostas perderam todos os julgamentos em que estiveram envolvidas e a quase totalidade dos casos teve como mídia as redes sociais, inclusive perfis de influenciadores menores de idade. Entretanto, na semana passada, a reportagem constatou que algumas das mensagens reprovadas continuavam postadas em redes sociais. O entendimento dominante no Conar é o de que posts pagos que divulgam apostas podem atrair públicos vulneráveis, incluindo menores de idade e pessoas com problemas de vício.
A atuação mais incisiva do Conar em relação à publicidade de apostas é decorrência da entrada em vigor do Anexo X, que abriu um capítulo inédito na história do órgão. O conjunto de regras elaboradas especificamente para a publicidade das plataformas de apostas foi aprovado pelo Conselho em dezembro de 2023, após regulamentação da atividade de apostas pelo governo — antes, a ação do Conar era mais limitada, pois faltava a referência da regra nacional. Outra mudança significativa na atuação do órgão em relação ao setor de apostas foi o trabalho do Núcleo Preventivo do órgão, que nunca havia emitido tantas notificações a anunciantes de um único setor, um trabalho que precede a abertura de processos e está focado na evangelização do mercado em relação às normas de autorregulamentação. Durante o ano passado, foram nada menos que 957 alertas a anunciantes, agências e influenciadores por veiculação de publicidade de marcas de apostas, geralmente relativos à necessidade de avisos ao público sobre restrições etárias, possíveis impactos causados pelos jogos, promessas de ganho categórico e indução ao erro.
Como a maioria das penalidades propostas nos julgamentos do Conar é dirigida a veiculações de publicidade — boa parte disfarçada ou não identificada como tal — nas redes sociais, a não adesão rápida das plataformas globais atuantes no País às decisões do Cons elho põem em xeque a autorregulamentação publicitária do mercado brasileiro e torna inócuo o trabalho realizado pelo órgão. Mas não há mudança consistente à vista, pois as empresas globais insistem em sobrepor suas próprias normas internacionais às acordadas pelo mercado local, além de estarem em um momento de afrouxamento de políticas de combate às fake news.
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