Jornalista pode ser gestor
Empresas que pensam grande deveriam investir nesses profissionais, para que se tornem gestores do próprio negócio
Empresas que pensam grande deveriam investir nesses profissionais, para que se tornem gestores do próprio negócio
Há uma máxima nas redações que jornalista não consegue ler um balanço, já que não sabe fazer contas. Bobagem! Também se fala que jornalista não fica rico porque não sabe guardar dinheiro. Outra bobagem.
O maior dos mitos, porém, é afirmar que jornalista só sabe apurar, escrever e editar. E que, para cuidar do negócio, é preciso um administrador. Essa, em 2021, é a maior de todas as bobagens gerenciais de uma empresa de comunicação.
Houve um tempo em que era necessário dividir Igreja e Estado. Ou seja, o jornalismo livre dependia da independência da redação. E, portanto, os negócios deveriam estar em outra área, separada por um muro. E ai de quem ousasse ultrapassar aquele muro sem as devidas autorizações.
Só que o tempo do dinheiro fácil acabou. Aí, os donos das empresas entregaram um passaporte com visto vitalício para o departamento comercial ultrapassar a fronteira delimitada por aquele muro. E, de repente, o gerente de vendas tinha mais poder editorial que o diretor de redação. Um executivo iniciante adorava plantar notas de agrado a seus clientes, pressionando repórteres — com a bênção do gerente-geral.
O bom jornalismo foi desaparecendo. Os anunciantes também. Os leitores ainda mais. O negócio ruiu. E a culpa, por mais que se busquem os “bodes” de sempre, é da gestão. Dos acionistas, que permitiram esse jogo nefasto. E dos gerentes/diretores, que administraram e aceitaram essa lógica kamikaze, em nome de um punhado de moedas a mais no final daquele mês — sem pensar no futuro.
A nova lógica gerencial de uma empresa de comunicação precisa ter “espírito de startup”. Ou seja, só se investe em pessoas e processos que façam sentido para o resultado final. Empresas mais leves, mais fáceis de controlar. Com o coração no bom jornalismo, o pulmão na busca de novas receitas e o fígado comprometido com custos baixos. Por isso mesmo, o melhor perfil para o gestor dessa nova engrenagem pode ser um jornalista.
Jornalista entende da base do jornalismo, a conexão entre informação e audiência. Jornalista sabe onde é possível reduzir custos e onde é impossível de se mexer — ou o negócio desanda. Jornalista conhece pessoas, processos, dinâmicas. Só precisa descer de seu pedestal dourado e conversar com as audiências, trocar ideias com anunciantes. Isso só contamina os maus jornalistas. Entender o problema do anunciante, propor uma solução que envolva todo ecossistema de conteúdo — sem mentir, sem favorecer este ou aquele — é a função dos novos gerentes/jornalistas, que trazem resultados muito mais interessantes para a empresa.
Por muito tempo, as empresas de comunicação trouxeram exímios conhecedores de Excel para a gestão. Não funcionou. Depois, optaram por quem sabia empunhar facões afiados. E, claro, não funcionou também. Em seguida, promoveram gestores de venda, ou financeiros, e aí o caos tomou conta. O problema é sempre o mesmo: sem conhecer a natureza do negócio, a gestão afunda. Não é honesto basear-se em informações de produtividade, oriundas de um CMS, para definir que esse repórter é melhor que o outro — que, por sinal, será sacrificado na “nova fase da empresa”.
Um bom editor é, por si só, um gestor de pessoas. Gestor de orçamentos. Gestor de ideias. Empresas que pensam grande deveriam investir nesses profissionais, para que se tornem gestores do próprio negócio. Jornalista sabe fazer contas. É só deixar que ele as faça.
Não está dito que as empresas de comunicação precisam ser comandadas por jornalistas. Mas, sim, que o jornalismo necessita estar na lista de prioridades de uma empresa. E, se o gestor não consegue entender essa lógica, um jornalista capacitado e treinado pode, muito bem, assumir a gerência-geral.
**Crédito da imagem no topo: Champc/iStock
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