Liderar (e ser liderado) em tempos ambíguos
Planilha de empresas tóxicas, inspirada na congênere de agências, reflete o desafio atual dos ambientes corporativos em meio à pressão por resultados e busca de significado
Planilha de empresas tóxicas, inspirada na congênere de agências, reflete o desafio atual dos ambientes corporativos em meio à pressão por resultados e busca de significado
Nas últimas semanas, duas planilhas apócrifas circularam na internet: uma nova, chamada
“Empresas Tóxicas do Brasil-sil-sil”, inspirada pela sua irmã com um pouco mais de estrada, a das agências de publicidade, que, por sua vez , também ganhou nova versão. Como acontece há vários anos, sempre que esse tipo de conteúdo surge causa algum tipo de alvoroço, especialmente, nos profissionais de RH, de relações públicas e em algumas lideranças.
A novidade desta vez é a planilha das empresas, feita a partir das características que as tornam tóxicas, a ponto de ser apelidada de WPTW (worst place to work ou pior lugar para se trabalhar) em referência ao certificado do GPTW (great place to work, ou melhor lugar para se trabalhar). A lista chama atenção por, inclusive, conter empresas que são top 10 do GPTW e também pelo alto volume de relatos negativos de algumas das empresas mais cobiçadas do Brasil.
Aqui vale algumas ressalvas. Todas as respostas são frutos de experiências pessoais, ou seja, o que a pessoa experimentou individualmente dentro da empresa da qual está reclamando. Impressões não são fatos. Pelo nível “quinta-série-B” das descrições colocadas na planilha percebe-se uma mobilização coletiva que tem como ponto de partida os ressentimentos. Além disso, falar mal de alguém ou da empresa que você trabalha ou já trabalhou, ainda mais anonimamente, é exponencialmente mais irresistível e sedutor do que fazer elogios ou apontar pontos positivos.
Posto isso, a grande realidade que essas planilhas trazem é o fato de tornarem visível algo que durante muito tempo ficou latente e agora está escancarado: o mundo corporativo e as relações de trabalho como os conhecemos não acompanharam as mudanças registradas na sociedade e nas pessoas neste mundo líquido e incerto que encontramos em 2024. Com a agravante de jogarem luz em uma realidade velada em muitas companhias que estão se reformatando no mundo pós-pandemia: cenários de conflitos ao redor do mundo, polarização, recessões econômicas e outros tantos problemas que sempre, sem exceção, recaem sobre a jornada dos colaboradores.
A lista de problemas registrados nas planilhas é extensa e passa por perseguição, favorecimento, racismo, misoginia e outros preconceitos. Salários inadequados, sobrecarga de trabalho e acúmulo de funções aparecem também na lista de insatisfações, mas perdem o protagonismo para outros fatores muito mais incômodos para os respondentes, tais como assédio, liderança despreparada, cultura (ou falta dela) e o burnout.
Do meu ponto de vista, acredito haver alguns aprendizados com esse tipo de planilhas, que embora continuem a pulular, perdem o sentido dada a forma como são feitas. E aqui vale um agradecimento especial pela inspiração em abordar a pauta das planilhas ao Ian Black, colunista deste Meio & Mensagem, que levantou o assunto no LinkedIn e em um encontro que tivemos, semana passada, na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap).
Minhas cinco reflexões sobre esse tema:
Faço psicoterapia há quase 30 anos e meu terapeuta costuma dizer que os problemas básicos da psique humana se resumem a dois fatores centrais: falta de habilidades de comunicação e baixa autoestima. Embora reducionista, tendo a concordar com essa tese. Acompanho o mercado da comunicação, marketing e mídia há quase esse tanto de tempo, de diferentes posições e posso afirmar com bastante clareza que boa parte das empresas do setor se comunica mal, especialmente da porta para dentro. Desalinhamento de expectativas (e de discursos!), frustrações e ansiedade são os principais efeitos colaterais dessa dissonância cognitiva. Proporcionar condições satisfatórias para a realização de jobs e projetos bem-feitos continua sendo a base de qualquer relação saudável de trabalho. O resto é consequência. Se você como líder for um agente que propicia isso, uma boa parte do caminho já está trilhado.
Em ambas as listas, fica evidente que as pessoas que fazem questão de deixar seus registros ali não têm muito filtros e parecem pertencerem a níveis que compõem a base das estruturas hierárquicas das empresas. A forma como expressam suas queixas escancara ainda a falta de escuta ou uma espécie de inadequação. A chegada de pessoas com diferentes perfis nos times, frutos das recentes políticas de diversidade e inclusão, e a horizontalização das relações têm provocado mais pontos de atrito e fricção nas empresas, e, por consequência, novos questionamentos. Saber ouvir e, principalmente, se expressar neste contexto é mais complexo, mas também inevitável. Para quem é líder, saiba que sua avaliação não virá apenas de resultados quantitativos, mas da qualidade das conexões que constrói com quem faz parte do seu time. E nessa construção saiba aproveitar os conflitos como freios de arrumação.
Mandar ordens do topo não é mais eficaz. Líderes, hoje, devem pensar em termos de influência e precisam encontrar maneiras de incluir os colaboradores nas decisões sobre ética, estratégia e cultura. A criação de conexões autênticas envolve o cultivo de lealdade e, por isso, geram engajamento. O grande problema é que ao se focar apenas na eficiência, as empresas (e seus líderes) muitas vezes ignoram o aspecto emocional das pessoas envolvidas nos processos.
Em menor ou maior grau, boa parte das pessoas ainda carregam sequelas da pandemia. Ter vivenciado a experiência de poder trabalhar de casa e não necessitar passar, em alguns casos, mais de três horas por dia em transporte público e/ou trânsito, é transformador. O grande debate agora, em tempos de criatividade distribuída, é achar o ponto de equilíbrio do chamado trabalho híbrido. Nos Estados Unidos, onde grandes empresas de tecnologia estão puxando a fila das que estão impondo mandatoriamente a volta total do trabalho presencial, o que se observa é um trade off interessante: empregadores que não conseguem competir em termos de flexibilidade acabam oferecendo formas de remuneração mais agressivas. Ou seja, os salários para empregos presenciais em tempo integral estão aumentando. E mesmo assim, não estão conseguindo fazer as pessoas voltarem ao presencial totalmente, confirmando mais uma vez que nem tudo é sobre salários simplesmente.
Em ambas as planilhas, as queixas são intrínsecas aos elementos essenciais do mundo corporativo: cultura organizacional, diversidade, pagamento de bônus, avaliação de desempenho e liderança. A lacuna entre o que é colocado (ou prometido), o que esperado e o que é feito na prática, está na base dos ruídos. Metas a serem atingidas, problemas financeiros e crises são inerentes a qualquer empresa. Ser transparente e ético é essencial para criar a argamassa necessária para a criação de uma cultura, mesmo nos momentos mais difíceis. Ser transparente sobre a realidade do negócio pode ser um fator importante de engajamento quando as coisas não vão bem, até porque são essas mesmas pessoas que deverão ser capazes de resolver problemas dentro da companhia, desde que elas saibam o que está acontecendo.
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