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Limitação da OAB-SP traz riscos em tempos de fake news

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Opinião

Limitação da OAB-SP traz riscos em tempos de fake news


15 de janeiro de 2025 - 14h00

Recentemente 1ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) impôs uma limitação à frequência de exposição dos advogados do estado como fontes de entrevistas à imprensa. Sob o pretexto de equilibrar a concorrência entre profissionais iniciantes e os mais prestigiados, a movimentação dá uma guinada perigosa e compromete o combate às fake news, já que a consulta de jornalistas a especialistas em direito permite à mídia qualificar as informações distribuídas aos leitores ou espectadores.

Na ementa aprovada em sua 685ª sessão de julgamento, a Ordem vetou ao advogado “responder com habitualidade consultas sobre matéria jurídica, nos meios de comunicação social, ainda que o faça como membro de Comissão da OAB”.

De um lado, a recomendação é vaga quanto ao que caracterizaria “habitualidade”, já que cada caso seria julgado de forma individual e estaria passível de interpretação. Isso gera dúvidas sobre a frequência autorizada e a que possa resultar em notificações ou sanções. Seria caracterizada por entrevistas diárias, semanais, mensais?

Do outro, a recomendação ameaça a atuação dos especialistas jurídicos, que desempenham um papel fundamental no esclarecimento à população de como seu cotidiano é afetado pelo funcionamento de leis, regulamentações e decisões. A disseminação desse conhecimento é importante para o amadurecimento político e para fomentar a participação social por meio de notícias de credibilidade.

Ainda mais em um país que conta com atualizações frequentes de legislação fiscal, trabalhista, ambiental, penal. Para dar um exemplo, um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) calculou que desde a promulgação da Constituição, em outubro de 1988, até setembro de 2023 foram editadas 7,48 milhões de novas normas que regem a vida dos brasileiros. Sem entender essas regras, corremos o risco de cair em insegurança legal e ficar inertes na nossa participação social.

Frear o comentário público de especialistas jurídicos experientes em tempos de marcos importantes como a reforma tributária e a regulamentação da inteligência artificial, é uma mobilização que coloca em risco a qualidade das notícias e compromete o livre acesso à verdade, o que gera a ignorância e a abre caminhos para a disseminação de informações incorretas à população.

Esse problema tem consequências graves para os processos democráticos em um cenário polarização política influenciado pela disseminação de fake news. Quase 90% dos brasileiros admitem já ter acreditado em conteúdos falsos, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva. Entre os assuntos dessa desinformação, 62% se refere ao tratamento de políticas públicas, como a vacinação. Além disso, 51% admitem ter acreditado em notícias falsas sobre segurança pública.

Mais de 12 milhões de brasileiros compartilham informações inverídicas, segundo levantamento realizado pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai) da Universidade de São Paulo (USP). Temos lembranças recentes das repercussões concretas dessa desinformação. Durante a pandemia da Covid-19, as notícias falsas tiveram efeitos graves ao causar hesitação da população em relação à vacina e práticas de saúde inadequadas, para dar alguns exemplos.

Ética profissional

Advogados, além de terem conhecimento segmentado sobre a área jurídica na qual são especializados, ou seja, informações nichadas que têm grande impacto na vida da população, também estão familiarizados sobre questões éticas e consequência da informação. Eles entendem como funcionam, por exemplo, a Lei de Segurança Nacional (que protege a soberania nacional contra informações falsas que podem gerar pânico) e a Lei Geral de Proteção de Dados (que traz regras sobre uso indevido de dados pessoais).

Ao mesmo tempo, os jornalistas que os entrevistam recebem formações éticas para desempenhar um trabalho chamado de fact-checking, ou seja, apurar a veracidade das informações. Aliar ética e conhecimento técnico de ambos os profissionais é importante para filtrar dados corretos também diante da popularização do uso de inteligência artificial generativas, que pode ser uma ferramenta produtiva importante, mas que por ser treinada por usuários exige atenção, responsabilidade e investigação da credibilidade de conteúdos criados com a ajuda da tecnologia.

Ou seja, cada vez mais a relação entre jornalistas e advogados é favorável para a democratização de informações e o debate social. É especialmente preocupante que a delimitação a essas trocas tenha vindo da OAB, um órgão que, junto aos profissionais do Direito, teve uma atuação tão importante para a redemocratização do país durante ditadura mais recente e duradoura da nossa história (1964-1985).

Resta esperar que decisões como essa que veta as entrevistas habituais a advogados pela OAB paulista sejam revistas.

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