Liquid Death e nova era do marketing
Em tempos de economia de atenção e alta volatilidade, diferencial é tudo e o branding tem um papel fundamental na estratégia dessa marca
Em tempos de economia de atenção e alta volatilidade, diferencial é tudo e o branding tem um papel fundamental na estratégia dessa marca
Como sabia, desde dezembro, que tinha que enviar este artigo ainda nas minhas férias, logo pensei que o tema para esta primeira coluna do ano deveria ser “inspirador” ou algo nessa linha mais leve. Mas, a realidade se impõe e nem finalizamos a primeira quinzena de janeiro (quando escrevo este texto) e o mundo neste 2025 já se desenha por demais desafiador. Porém, vou manter minha premissa inicial, pois acredito que há um case sobre o qual muito se fala no cenário internacional, especialmente nos Estados Unidos, de um produto que, embora não seja comercializado por aqui, vale olharmos e tirarmos alguns aprendizados, pois traz muitos elementos sobre construção de marca hoje em dia: a Liquid Death.
Criada na virada de 2018 para 2019, a partir da inspiração do então diretor de arte Mike Cessario, que até aquele momento tinha passado por agências como Crispin Porter & Bogusky e VaynerMedia, a Liquid Death se tornou nesses pouco mais de cinco anos um hit e tem mexido com o status quo do mundo do marketing por apostar em uma estratégia de branding construída a partir do entendimento do público-alvo, na criação de uma voz de marca distinta e na alavancagem social first para desenvolver uma base de fãs engajada. Tudo isso, para vender o mais prosaico dos produtos: água enlatada.
A semente inicial que levou Cessario a dar o salto de publicitário para empreendedor aconteceu dez anos antes da criação da empresa. Ele percebeu, em um festival de música, que seus amigos estavam colocando água dentro de latinhas de energético (da marca Monster) enquanto tocavam no palco. A necessidade de hidratação é universal, mas a oferta de produtos e marcas na época não se conectava àquele ambiente.
Essa observação o levou a um insight poderoso, nas suas palavras: “Por que não existem mais produtos saudáveis com uma marca divertida, irreverente e descolada? Por que a maioria das marcas mais memoráveis são de junk food?”. Desse insight original até a execução agressiva do marketing da marca é um grande pulo e fala muito do talento empreendedor de Cessario.
O segmento de água engarrafada é dominado há décadas por gigantes globais, como Nestlé, Coca-Cola, Pepsico e Danone e deve registrar um valor de US$ 380,5 bilhões em três anos, progredindo a um crescimento anual médio de 6,7%, durante o período de 2024-2028, de acordo com informações da Business Wire.
Esse mercado é extremamente competitivo, com marcas disputando a atenção do consumidor por meio de táticas tradicionais de publicidade e endossos de celebridades. No entanto, a Liquid Death não tentou competir de frente com esses gigantes. Em vez disso, a empresa identificou um nicho específico dentro do mercado: um grupo demográfico mais jovem, ambientalmente consciente e cético em relação às táticas tradicionais de marketing.
A geração Z e os millennials anseiam por autenticidade e também estão cada vez mais preocupados com questões ambientais. A Liquid Death explorou esse sentimento perfeitamente.
A estratégia de marketing contornou a mídia tradicional, concentrando-se em plataformas de mídia social, como Instagram e Twitter (quando ainda era uma plataforma menos tóxica), e, mais recentemente, migrou também para o TikTok, onde eles podem se conectar diretamente com sua audiência. Em um mercado saturado com opções sem muita diferenciação, a Liquid Death ofereceu uma alternativa refrescante e atraente – uma marca de água que parecia genuína, engraçada e ambientalmente responsável.
Esse foco talhado a laser em um público específico e bem definido permitiu que a Liquid Death conquistasse espaço, gerando resultados rapidamente. Suas vendas tiveram início em 2019, por meio de seu site, e logo depois expandiu para bares, estúdios de tatuagem e barbearias. Segundo Cessario, a marca foi inicialmente comercializada para adeptos do straight edge (subcultura do punk hardcore que surgiu nos anos 1980, nos Estados Unidos, e defende a abstinência em relação a entorpecentes – leia-se cigarros, álcool e drogas ilícitas) e fãs de heavy metal e punk rock.
No ano seguinte, começou a ser comercializada nas redes Whole Foods e Seven Eleven. Foi a deixa para atrair aporte da Live Nation (a gigante do entretenimento ao vivo), que comprou participação na empresa e, à época, declarou que venderia a bebida exclusivamente em seus eventos. A receita da empresa atingiu US$ 45 milhões em 2021, triplicou no ano seguinte, alcançando US$ 130 milhões. Em 2023, dobrou para US$ 263 milhões. Esse crescimento vertiginoso a fez receber novo aporte, em março de 2024, de US$ 67 milhões, e ser avaliada em US$ 1,4 bilhão.
Por trás desse resultado expressivo, está a criação de uma identidade de marca que vai além de simplesmente vender água. Com o arquétipo de “marca fora da lei”, contrasta fortemente com a imagem típica e higienizada das marcas de água engarrafada. Uma lata de água estampada com uma caveira digna de uma estética heavy metal, aliada ao slogan “Murder Your Thirst” (mate sua sede), ajuda a criar uma reputação autêntica e ousada.
Ao embalar sua água em latas de alumínio, uma alternativa mais sustentável às garrafas plásticas, a empresa se posiciona como a escolha ecologicamente correta. A declaração de missão “Death to Plastic” (morte ao plástico) não é apenas um slogan atraente; é um princípio fundamental de sua identidade de marca.
Há algumas discussões que a meteórica trajetória da Liquid Death suscita. Ao ver sua marca como uma “máquina de entretenimento”, alguns analistas levantam a hipótese de que corre o risco de perder de vista a importância de seu produto – e o perigo associado de se tornar uma moda passageira. De fato, as pessoas geralmente falam sobre sua comunicação, não sobre água limpa dos Alpes (sua produção é feita na Europa) ou os benefícios ambientais de suas latas de alumínio recicláveis em comparação com recipientes de plástico.
Na minha visão, o paradoxo que a Liquid Death suscita é próprio do marketing nesta terceira década do século 21: construção de comunidades como alavanca de negócios por meio de uma base de fãs e não apenas de consumidores parece ser uma das chaves para destravar os negócios atualmente.
Em tempos de economia da atenção e alta volatilidade, diferencial é tudo e o branding tem um papel fundamental nessa estratégia, como bem colocado nas palavras do próprio fundador da Liquid Death: “A única forma dessa marca ter alguma chance de sobrevivência é que o produto seja insanamente interessante, com o marketing incorporado a ele”.
Afinal, criatividade para entreter o consumidor é o que permite um produto ser notado. Publicidade, no fim das contas, é a junção entre entretenimento, dados e negócios. Algo que a Liquid Death esbanja.
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