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Opinião

Longe da concórdia

Desacordo sobre ter ou não um modelo comercial autorregulado torna ainda mais desafiadora a busca por consenso entre anunciantes, agências e veículos, num momento em que o setor volta a sofrer efeitos da inflação de mídia


30 de novembro de 2021 - 14h04

O ano de 2021 está marcado pela maior crise institucional da história recente do mercado publicitário brasileiro. Neste período, eclodiram movimentos públicos que explicitaram discordâncias históricas sobre o modelo econômico que sustenta esse setor no País — em especial, os pontos mais polêmicos, que diferenciam o Brasil dos sistemas adotados em outros mercados, como Estados Unidos e Europa. Os dois principais são a atuação de agências full service, que aglutinam sob o mesmo teto as atividades de criação e mídia, e o BV (bonificação de volume), pago pelos veículos às agências.

(Créditoss: Gajus/shutterstock)

Historicamente, grandes agências e veículos defenderam o modelo vigente de eventuais ataques de anunciantes, sobretudo multinacionais, que reclamavam de não contarem aqui com as redes de compra de mídia com as quais trabalham no exterior e do BV subverter os objetivos mercadológicos das campanhas das marcas, desviando o direcionamento das verbas para veículos que geram maiores ganhos financeiros para as agências.

O movimento inicial da atual crise se deu em janeiro, quando a Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) se retirou do Conselho Executivo das Normas-Padrão (Cenp), órgão que, já em sua origem, há 22 anos, procurava encontrar consensos e acomodar discordâncias sobre a entrada no Brasil das agências de mídia (naquela época, chamadas pejorativamente de birôs) e o pagamento de BV — que nasceu de forma obscura décadas antes e foi legalizado como “plano de incentivo”. Semanas antes, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) instaurou inquérito administrativo para investigar o BV pago às agências de publicidade pela Globo, que mantém a prática amparada por liminar na justiça.

Concomitantemente, as grandes holdings globais, mais notadamente WPP e Interpublic, fizeram movimentos historicamente marcantes na abertura do mercado local para empresas, práticas e ferramentas de suas redes de agências de mídia — materializados, respectivamente, nas atuações da WPP Media Services e da Mediabrands.

Após o baque da saída da ABA, o Cenp abriu mais espaços em suas instâncias decisórias para executivos de marketing e intensificou as discussões sobre sua governança, que culminaram esse mês na extinção do cargo de presidente-executivo e na saída da entidade do ocupante do posto, Caio Barsotti. A associação dos anunciantes, por sua vez, formou quatro grupos de trabalho, na tentativa de propor novas diretrizes para o funcionamento do mercado, em contraposição às regras do Cenp. Na semana passada, a ABA apresentou o Guia de Melhores Práticas ao Setor Publicitário, revisitando, agora de forma mais explicita, temas como o das agências de mídia e o do BV.
Norteado pela defesa da livre negociação, o documento reivindica o direito de contratação de agências especialistas em compra de mídia, trata o BV como parte da remuneração da agência e recomenda que esse pagamento seja auditado. Além disso, diz que os contratos não devem se basear em tabelas fixas de descontos e defende a dispensa de certificações para as agências.

Todos esses pontos contrariam as normas padrão do Cenp, como mostra a reportagem da página 20 — após o fechamento da matéria, o guia recebeu mais duas adesões, do SBT e da RedeTV.

O acirramento do desacordo sobre ter ou não um modelo comercial autorregulado ocorre em um momento desafiador, em que o mercado brasileiro volta a conviver com a aceleração da inflação de mídia — assunto de reportagem publicada nas páginas 36 a 38. Muitos veículos que mantiveram represadas as correções nos seus preços por conta das limitações impostas pela pandemia, estão, agora, revendo políticas para que a equação de valorização de seus espaços não espante a clientela nesta esperada fase de reaquecimento.

Apesar das diversas movimentações ocorridas em 2021, as relações institucionais do mercado ainda parecem longe da concórdia. A queda de braços passa, além dos temas aqui citados, por outras questões complexas, como a das plataformas de tecnologia que vendem espaços publicitários serem consideradas veículos de mídia e estarem sujeitas às mesmas regras dos veículos tradicionais. Vai ser preciso muita temperança, diálogo e flexibilidade para se aproximar da convergência em 2022.

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