Marcas à prova de futuro
A impressionante evolução das marcas chinesas
A impressionante evolução das marcas chinesas
Para mim, a China sempre foi sinônimo de cultura milenar e de uma incrível diversidade de tradições. Foi em setembro de 1995 que fui a Beijing pela primeira vez, convidado por amigos de meus pais que tinham se mudado de Milão para lá. Naquela viagem, me marcou a vontade, que percebi nos chineses, de fazer parte e de se tornar um player relevante na economia global.
Passaram-se assim os anos, me formei e entrei em um dos maiores grupos de confectionery do mundo. Foi com eles que tive a primeira oportunidade de carreira internacional, em Shanghai, onde trabalhei em 2003 e 2004. Quando cheguei à cidade notei que, desde minha experiência de 1995, algo tinha mudado: a vontade deles de fazer parte tinha se transformado em vontade de desenhar o futuro.
Hoje, quase vinte anos após minha experiência na China, muitas coisas evoluíram por lá. Em 2020 a China foi a única economia global que fechou no positivo, além de ter registrado um crescimento expressivo do PIB de 18,3% no primeiro trimestre de 2021 de acordo com o Bureau Nacional de Estatísticas do país. O progresso econômico foi acompanhado de avanços sociais: houve a formação de uma classe média que chega atualmente a quase 450 milhões de pessoas que são mais informadas, orientadas à tecnologia e acostumadas a viajar.
Um dos fatos mais fascinantes resultantes dessa surpreendente transformação é que o universo das marcas chinesas também se reinventou. Se no passado eram as marcas ocidentais os símbolos de um lifestyle aspiracional, hoje essas mesmas marcas já fazem parte das vidas de muitos chineses e as marcas locais tornaram-se novos modelos de lifestyle. Segundo uma pesquisa da Kantar, em 2021 as principais marcas chinesas (entre elas Tencent, Alibaba, Moutai e Huawei) valorizaram 57%, atingindo globalmente US$ 1,56 trilhão.
A seguir, sem ordem de importância, indico as quatro principais razões que acredito tornaram possível essa incrível reviravolta das marcas chinesas.
1. A aquisição de know-how e tecnologia estrangeiros na busca da qualidade
As empresas chinesas vêm comprando marcas ocidentais há anos, seja injetando dinheiro em unidades de negócios de grupos de prestígio, se apropriando de grandes nomes em dificuldades financeiras ou investindo em tecnologia estrangeira. Marcas ocidentais de todos os setores agora podem ser chamadas de chinesas, ou quase: Volvo, MG Rover, Daimler, Miss Sixty, General Electric Appliances, Club Med, Motorola, entre muitas outras. A indústria local conseguiu se apropriar de tecnologias e know-how que lhe permitiram aprender e elevar a qualidade dos seus produtos/serviços locais e, assim, a reputação das marcas chinesas frente a seus públicos. Um case interessante é o da marca de carros Link&Co do grupo automotivo Zhejiang Geely Holding, que hoje vende modelos na Europa utilizando a mesma plataforma e tecnologia de modelos da Volvo, parte do mesmo grupo. Lynk&Co foi lançada em plena pandemia em vários mercados europeus, através de um serviço por assinatura. Apenas cinco meses após a abertura da lista de espera, as inscrições excederam a meta anual de 9.000 membros, chegando em maio de 2021 a 15.000 membros em países reconhecidos por seus padrões de excelência, como Suécia, Holanda, Itália e Alemanha.
2. A insaciável obsessão pela inovação
Por muito tempo os produtos chineses eram vistos como meras cópias de produtos ocidentais. Mas a realidade é que a China tem um desejo infinito de aprender e de descobrir, o que leva os chineses a liderar os movimentos de inovação. Sophie Cheng, General Manager da FutureBrand China, afirma: “A inovação é o valor central de todas as empresas chinesas de sucesso e um dos critérios essenciais para que os empreendedores modernos sejam bem-sucedidos no mercado. Acho que a cultura corporativa inovadora é a principal razão pela qual as marcas chinesas têm o potencial de assumir a liderança no cenário mundial. Lutar pelo progresso é o espírito do povo chinês contemporâneo e o espírito defendido pelo governo chinês”. Essa busca obsessiva pela inovação se transferiu inevitavelmente para a proposta de valor de muitas marcas chinesas, como por exemplo Le Novo, Huawei, BYD e Nio, todas marcas que elevaram a barra da inovação, conseguindo desafiar e muitas vezes superar players ocidentais que sempre foram referência nesse atributo.
3. Experiências omnichannel aliadas a espírito sonhador
Quando olhamos para as marcas chinesas, elas entenderam a importância de mudar de um mindset orientado à velocidade para uma cultura de experiência. É importante notar que hoje a economia chinesa depende quase inteiramente do digital. Lá os cartões de crédito nunca tiveram grande sucesso, mas foi a chegada de aplicativos de pagamento para smartphones como o Alipay, que dominam o mercado e substituíram o dinheiro físico, que abriu novas oportunidades para as marcas chinesas. Elas conseguiram chegar em áreas rurais antes isoladas do progresso econômico das grandes metrópoles do país. A aposta é cada vez mais em novos modelos de negócio pautados em uma jornada do cliente omnichannel, em que a evolução se torna always on. Sophie Cheng ainda acrescenta: “O desenvolvimento econômico da China criou empreendedores de sucesso que têm a ambição de mudar o mundo e beneficiar a sociedade. Isso fez com que muitas empresas chinesas tenham líderes que carregam consigo missões inspiradoras para o mercado, o que acabou atraindo a atenção de instituições globais de investimento e permitiu contratar talentos globais, estabelecer centros de P&D na Europa e contratar as mais famosas empresas internacionais de marketing e branding”.
Esse mindset de constante reinvenção se transferiu para a reputação das marcas chinesas que, cada vez mais, são associadas a atributos como inventividade, responsividade, adaptabilidade e proximidade. Um exemplo interessante é o da empresa chinesa SPIC no Brasil, um dos cinco principais grupos geradores de energia no mundo. Quando perguntei para a CEO, Adriana Waltrick, o que ela gostaria de trazer dos traços da cultura chinesa para a marca no Brasil, ela afirmou: “A questão do dinamismo chinês, da resiliência: esses são os principais atributos da cultura chinesa que a SPIC no Brasil não pode deixar de ter”.
4. De admiração pelo internacional para orgulho nacional
A China está vivendo atualmente uma onda de orgulho nacional. A desaceleração econômica nos mercados ocidentais afetados pela pandemia levou ainda mais as marcas chinesas a dirigirem seu foco para a demanda local. Assim, as marcas chinesas passaram a incorporar uma nova mistura de design visionário e referências à cultura chinesa. Esta é a tendência do Guochao, que se traduz em incorporar traços da tradição, do design e da arte chinesa na proposta de valor das marcas locais. O Guochao fez com que as marcas chinesas se conectassem com as novas gerações de chineses, principalmente os millennials e a geração Z, que cresceram quando a economia e a riqueza do país estavam explodindo.
Segundo Sophie Cheng, “o povo chinês, especialmente os jovens, dá boas-vindas à ascensão e ao retorno da cultura chinesa. De fato, os jovens são os promotores e praticantes da nova moda da China”.
Concluindo, é por causa desses quatro movimentos que acredito que muitas marcas chinesas sejam realmente à prova de futuro. Elas se tornaram capazes de equilibrar propósitos ambiciosos e transformadores com experiências pautadas em inovação e traços de personalidade salientes da cultura nacional. Hoje ser uma marca chinesa tornou-se sinônimo de ser uma marca visionária e corajosa e acredito que essa percepção se fortalecerá ainda mais nos próximos anos.
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