O desafio das marcas em meio à banalização do propósito
A verdadeira força de uma marca não está em seguir cegamente tendências narrativas do momento. É preciso saber quando é hora de desafiar o status quo
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A ascensão e capilaridade do conceito de propósito no métier corporativo foi meteórica. O que antes era um processo de busca por uma identidade única e autêntica para as marcas andou se tornando um imperativo estratégico capaz de guiar decisões, conectar com o público e construir marcas fortes e duradouras. No entanto, a popularidade do termo “propósito” trouxe consigo um efeito colateral: sua banalização.
Em uma esquina da Faria Lima, em uma calçada da Vila Olímpia, em um café da Berrini ou da Paulista, hoje, é possível ouvir ressoar a palavra “propósito” como o mantra da vez do mundo corporativo, contextualizada ou descontextualizadamente. E não somente: em uma igreja do interior, nos stories de um influenciador ou nas salas comerciais de um coach, propósito parece ser o “último grito” narrativo para compor sermões, ostentações de estilo de vida e mentoria a empreendedores.
Mas voltemos ao mundo corporativo, que é o que nos interessa aqui…
Em seu livro A Marca Além do Propósito, Renato Figueiredo nos alerta sobre os perigos da fixação em um único ponto estratégico, como o propósito, deixando de lado outros tantos elementos fundamentais da construção e do desenvolvimento de marca (branding). Como afirma o autor, marcas se desviam da geração de resultados ao olharem fixamente um único ponto.
Essa busca desesperada por ver um propósito em tudo, muitas vezes desvinculada da realidade e dos valores da empresa, tem levado a um cenário em que o discurso sobre propósito se sobrepõe às ações. A autenticidade, que antes era um pilar fundamental, cede lugar a um discurso vazio e padronizado, no qual todas as empresas parecem dizer a mesma coisa: o Ctrl-C, Ctrl+V de narrativas marcárias. Talvez isso tenha feito o CEO Global da Unilever, Hein Schumacher, dar aquela declaração polarizante em que disse que “devemos parar de encaixar propósito à força nas marcas. Para algumas, simplesmente não será relevante. E isso está bem”.
Figueiredo propõe uma abordagem mais holística, baseada em três pilares: REI – Reputação, Estilo e Ideia. Segundo ele, “apenas a partir de uma postura menos pretensiosa as marcas poderão ter resultados mais expressivos para os negócios, para as pessoas e para o mundo do qual todos dependemos”. O delírio de algumas marcas quanto ao seu “brand purpose” começa a soar ridículo.
É importante não subestimar o consumidor, entendendo que ele sabe que, apesar de todo o pano de fundo, o que nós queremos mesmo é vender mais. Mais importante ainda é saber – e refletir essa noção na narrativa (brand storyline) – que uma marca não vai salvar o mundo, mas pode transformar algumas realidades; não vai resolver a vida de alguém, mas pode atualizar comportamentos; não vai convencer de imediato, mas pode provocar novos pontos de vista; não vai…
Para as marcas, sabemos: a perda de autenticidade pode resultar em uma diminuição da credibilidade, dificuldade em se conectar com o público e, consequentemente, em um menor engajamento e fidelização dos consumidores. Para eles, inclusive, a saturação de discursos sobre propósito pode gerar desconfiança e ceticismo, tornando-os ainda mais criteriosos em relação às marcas do mercado.
Uma forma de escapar dessa arapuca é olhar também para a reputação da marca, que é algo construído ao longo de uma jornada. Nessa seara, consistência (!) nas ações de comunicação e, claro, nas entregas com qualidade em produtos e serviços são chaves; é a experiência do público com a marca e seus produtos que delineiam a percepção, matéria-prima da reputação.
Outro pilar importante é a zeladoria no que diz respeito ao Estilo, que é a expressão visual e comunicacional da marca, aquilo que a diferencia dos concorrentes e a torna memorável (brand recall). Para isso, o primor de execução na identidade visual, na linguagem, no tom das mensagens e na experiência é essencial.
Tudo isso sem esquecer da Ideia, que é filha caçula do Propósito de Marca: é por meio da ideia que a razão de ser da marca se manifesta, é comunicada e ganha vida. Ela pode ser a materialização de um valor, uma promessa ou uma aspiração. Como a gente sabe: é por causa da ideia, muitas vezes, que o consumidor escolhe uma marca em vez de outra.
Como ilustração, imagine uma marca de roupas sustentáveis… o seu propósito pode ser “reduzir o impacto ambiental da indústria da moda”. A ideia da marca, por sua vez, pode ser “moda consciente e atemporal, que valoriza a qualidade e a durabilidade”. A ideia vai além do propósito, definindo a identidade visual da marca, a linguagem utilizada, os materiais empregados e a experiência final do cliente que vai se relacionar com tudo isso.
A verdadeira força de uma marca não está em seguir cegamente as tendências narrativas do momento, mas em saber quando é necessário desafiar o status quo. Propósito, quando autêntico, é poderoso, mas só é um verdadeiro diferencial quando aliado à preocupação com a reputação, ao primor estilístico e a uma ideia clara, tangível, com pitadas possíveis de genialidade.
Se a Geração Z é a geração da apatia – tendo sido a GenY a da ansiedade – e começa a adentrar a sociedade de consumo com visões e um estilo de vida mais pragmáticos, o mercado precisa, então, de marcas que se atrelem menos às buzzwords e mais à prática de geração de valor real para seus consumidores e para o mundo.
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