Marcas: mudar para eternizar
Criar narrativas, contar histórias e proporcionar experiências memoráveis: para permanecer relevante vale mudar a marca, mas sem perder a essência
Criar narrativas, contar histórias e proporcionar experiências memoráveis: para permanecer relevante vale mudar a marca, mas sem perder a essência
Existem, de fato, marcas eternas? Aquelas que permanecem atuantes na vida de cada público-alvo, agregando valor efetivo nas suas entregas? Contudo, não me refiro aqui àquelas marcas que foram eternizadas por uma ou outra razão – marcas que muitas vezes já não estão mais presentes, de fato, na vida de seus consumidores ou de outros stakeholders -, e que permanecem vivas apenas na memória afetiva de tantas pessoas.
Chamo a atenção para outras marcas, algumas delas até centenárias, e outras ainda na flor da juventude, que enfrentam, de diferentes maneiras, o desafio de se transformar, refletindo um contexto que modifica a maneira como cada um se relaciona com essas marcas em suas rotinas diárias e jornadas de vida.
Afinal, será que é possível, em tempos atuais marcados por revoluções sociais e tecnológicas tão disruptivas, acreditar na perenidade das marcas, ou isso já seria a ilusão de uma grande fábula? Como enfrentar o desafio de renovar-se sem abrir mão de seus aspectos essenciais? Dos CMOs aos CEOs em suas organizações, das agências de comunicação às consultorias de Branding, essas perguntas norteiam escolhas estratégicas que visam garantir o futuro, mas que contêm em si um paradoxo original: o de que para permanecer é preciso mudar.
Estamos falando aqui sobre o ciclo de vida das marcas, para podermos refletir e retomar a questão central: o crescimento e a sustentabilidade dos negócios que detêm as marcas. Isto é, de negócios e de marcas que buscam ressignificar-se, por meio de novos posicionamentos, “pivotando” em um cenário onde o Branding, como ferramenta e disciplina, já não pode mais atuar na forma de mero regramento, rígido e autoritário, como “camisa de força”, mas representando uma peça de roupa confortável que se adequa às circunstâncias, e que ainda assim é sempre feita sob medida.
Historicamente, testemunhamos marcas e companhias que se “perpetuam” pela prática consistente de um mesmo posicionamento por um período extenso. A indústria da alta moda pode ser um ótimo exemplo. É também notável que vivenciamos um cenário onde marcas “tradicionais”, fundadas em uma proposta de “nenhuma ou pouca mudança”, convivem com marcas “mutantes”, com seu “DNA” inovador, e onde ambas buscam perpetuar-se.
Assim como certas marcas ícones do passado, que reinaram por décadas, algumas marcas têm se tornado obsoletas subitamente, após o sucesso de muitos anos, justamente porque talvez tenham insistido na continuidade de negócios – e de suas propostas de valor – que simplesmente desapareceram ou derreteram quando o contexto se viu transformado na mesma velocidade.
Mesmo ao observarmos o cenário atual, esta reflexão vale para o universo das plataformas de streaming, onde grandes conglomerados de mídia como Warner Bros, Discovery, Disney, Paramount Global e NBC Universal acumularam perdas acima de US$ 11 bilhões em 2022, ao tentar desbancar a mais jovem Netflix. O fato é que suas respectivas marcas, tão sedutoras e pós-modernas, parecem ainda estarem distantes de representar bons exemplos de marcas que vão perdurar para sempre.
Voltando ao início dessa nossa conversa, o grande desafio que se apresenta é como renovar para crescer, e permanecer relevante para um público que também se renova, e não apenas porque uma parte envelhece enquanto outros nascem…
Se no século 20 falávamos tanto em “missão, visão e valores”, e no início do milênio o termo “propósito” entrou na pauta das empresas, o conceito de “narrativa” ou “storytelling” ganhou tração com a digitalização da comunicação e a disseminação das redes sociais. As marcas devem estar ativas e abertas ao diálogo e interagir por meio de narrativas transmidiáticas, via novos modelos criativos, para serem ainda capazes de contar uma história, ou mesmo várias, consistente e coerentemente.
Neste cenário de transformação e mutação constantes, para se perpetuar, a construção da narrativa se torna uma ferramenta capaz de permitir a mudança sem arriscar perder a essência. Mas isso não altera em nada a necessidade de se entregar, de fato, uma proposta de valor inerente à marca.
O fato é que “entregar”, de fato, não é apenas “contar histórias”. O real valor da marca e do negócio está na qualidade da experiência que ela entrega ao seu consumidor. Assim, da mesma maneira, na capacidade de atuar de forma perene tanto na construção como na gestão desta experiência. Só assim é possível falar em transformar, e claro, “eternizar” as marcas.
É o caso do Mercado Livre, que passou por uma verticalização do negócio para garantir a experiência que é entregue. Mais do que criar discursos em suas campanhas, a empresa busca tangibilizá-los ao garantir a máxima consistência nas jornadas de seus clientes e consumidores.
É o “storytelling” amparado por um “storydoing”, real. A marca se constrói contando uma história também por meio de cada uma de suas práticas, e obviamente, pela experiência de qualidade, relevante e perene para o consumidor.
Enfim, é a existência de fundações consistentes, coerentes e verdadeiras das marcas que ajudará a direcionar outras dimensões das empresas, como os seus produtos, os seus investimentos, a escolha e a contratação de novos colaboradores, além do próprio desenvolvimento de uma cultura organizacional que viabiliza uma história legítima e real.
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