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Opinião

Menos discurso, mais diversão

Humor volta à cena como ingrediente fundamental da publicidade e ocupa espaços dominados nos últimos anos pelo ativismo, pelas estratégias de engajamento com causas e seus manifestos e documentários


2 de julho de 2024 - 14h00

Um festival de criatividade que recebe 26.753 inscrições e distribui 841 troféus deixa aberto um espectro muito grande para a análise de seus resultados. Durante o Cannes Lions, quando a atenção da indústria de comunicação, marketing e mídia está, ao mesmo tempo, focada em saber quais são os vencedores de sua principal premiação global e dispersa pelas agendas do evento, atividades paralelas e encontros de networking regados a vinho francês, muita coisa interessante passa despercebida. É na volta para casa que muitos participantes procuram juntar o conhecimento adquirido na semana do festival com possíveis tendências indicadas pelos júris das 30 competições que o compõem.

Um caminho interessante, trilhado para reduzir o campo de observação e procurar as tendências mais relevantes, é se focar nos prêmios principais, os Grand Prix. Como parte da curadoria de conteúdo que faz do festival, Meio & Mensagem publica anualmente o ranking com as campanhas mais premiadas do mundo, considerando não apenas os GPs, mas todos os troféus de Ouro, Prata e Bronze concedidos. Assim, possibilita uma visão multimídia, com atenção aos cases que somam bons desempenhos em mais de uma competição.

Usando essas duas lentes, a dos Grand Prix e a de todos os premiados, esta edição pós-Cannes revela dados que sustentam duas constatações importantes sobre o mercado global na atualidade. A primeira delas é a de que o talento brasileiro espalhado pelo mundo tem ajudado marcas de diversos segmentos a serem mais criativas. Dos 34 Grand Prix concedidos pela 71ª edição do Cannes Lions, pelo menos 16 têm participações de brasileiros — ou seja 47%; quase a metade. De Los Angeles a Singapura, passando por Nova York, Toronto, Madri e Berlim, há muitos brasileiros premiados atuando não somente nas áreas de criação das agências, mas em posições de liderança dessas equipes e, também, em anunciantes e produtoras.

A segunda tendência observada comprova uma mudança relevante no tom dos cases mais criativos da publicidade global: o humor voltou à cena com força e ocupou espaços antes dominados pelo ativismo que defende que a publicidade deve salvar o mundo. Pela primeira vez, desde que o Cannes Lions foi retomado, após o hiato provocado pela pandemia em 2020, nenhuma ONG aparece entre as campanhas globais mais premiadas. Em anos anteriores, essa lista incluiu movimentos pelo desarmamento, de defesa dos direitos das mulheres, de prevenção ao suicídio e de luta contra o câncer. Agora, todas os cases mais premiados são assinados por marcas comerciais.

Apesar de o propósito ainda ser guia para as ações da peruana Cemento Sol, que projetou um sistema de sinalização nas calçadas para que pessoas com deficiência visual entendam melhor sua localização, e da Renault, que facilitou o aluguel e o financiamento de veículos para desempregados em busca de recolocação profissional, a balança pendeu para o lado da diversão, do entretenimento e de promoções para engajamento do público.

Na seara do humor, as maiores gargalhadas vieram com as ações da fabricante de produtos para a pele CeraVe, que investiu em especulações sobre o envolvimento do ator e músico canadense Michael Cera na fundação e nomenclatura da marca, e com a rede de serviços óticos e fonoaudiológicos Specsavers, que fez regravações do hit Never Gonna Give You Up, com Rick Astley alterando propositadamente os versos para brincar com o fato de muitas pessoas não entenderem corretamente as letras das músicas.

Mesmo considerando que, de certa forma, o resultado pode ter sido induzido pela organização do festival, que introduziu a subcategoria “Uso do humor” em diversas competições, o fato é que, jogado para escanteio nos últimos tempos, em uma época em que foi visto como ingrediente que deixava a publicidade muito superficial e a desviava de sua função de gerar engajamento com causas, o humor triunfa novamente — o que pode deixar a publicidade mais leve e atraente, e incentivar outra onda de revalorização dos filmes de até 30 segundos, depois de um tempo de exaltação a manifestos e documentários.

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