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Mentiras sem sentido em pleno 2025

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Opinião

Mentiras sem sentido em pleno 2025

A tática de mentir para agências e para anunciantes sobre seus números, que vem sendo adotada por alguns dos maiores jornais do País, pode funcionar no curto prazo, mas é um desastre em médio e longo prazos


20 de março de 2025 - 6h00

O modelo de negócios de um jornal impresso, por muitos e muitos anos, baseava-se no alcance que um anúncio em suas páginas poderia obter. Multiplicava-se o número de cópias em circulação pelo índice de leitores por exemplar. Esse número gigante, temperado pela posição da propaganda – se na página ímpar ou na par, se na primeira metade do jornal, se perto de algum colunista de sucesso – acabava por dar um valor estimado, quase sempre enorme. Para convencer o comprador de publicidade, utilizava-se taxas de desconto também exageradas, que podiam chegar a 90% da tabela. Um jogo de cena que, ao final, conseguia fechar a conta.

Só que os tempos são outros. As audiências digitais são certificadas por diversos softwares e métodos independentes. Grandes empresas de tecnologia decidem pelo valor a ser pago na página de um produtor de conteúdo. Tudo mudou – e quem não concorda com essa prática acaba ficando sem os poucos trocados oferecidos em troca do inventário.

No meio impresso, a maneira de ser um pouco mais transparente e honesta foi a criação do Instituto Verificador de Circulação (IVC), há mais de 60 anos. Com regras claras e iguais para todos, surgiu um ranking dos mais vendidos, atestado pelo auditor. As agências de publicidade apoiaram esse controle e rapidamente os números mirabolantes de circulação desapareceram. O IVC passou a controlar notas fiscais de compra de papel, por exemplo, indícios para aceitar – ou não – os números autodeclarados. Mentir ao IVC significava punição, exclusão por um certo tempo das listas – que caíam diretamente nos anunciantes. Ou seja, um péssimo negócio.

Apesar da crise dos impressos, o IVC segue existindo, aferindo também a circulação digital. Mas alguns meios importantes decidiram sair do controle isento do IVC. No ano passado, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo trocaram o IVC pela consultoria/auditoria PwC – que não revela seus métodos, critérios e não tem experiência em controlar a circulação de impressos no Brasil. O resultado da troca parece um toque de mágica: o Estadão pulou de 56,3 mil exemplares/dia para 131,5 mil exemplares/dia, um aumento milagroso de 133%, segundo medição de junho de 2024, divulgada pelo Poder360, e que o colocou na liderança entre os impressos do Brasil. Seria performance de recorde mundial, caso de qualquer congresso de jornalismo no mundo, não fosse tão ridículo e absurdo. É absolutamente impossível que este número seja verdadeiro, simples assim. A Folha entendeu que a mentira era muito perigosa e assumiu um crescimento de “apenas” 8,2%, de 41,4 mil para 44,8 mil exemplares/dia, de qualquer forma um índice muito acima da média e da tendência de queda.

A tática de mentir para agências e para anunciantes pode funcionar no curto prazo, mas é um desastre em médio e longo prazos, quando o resultado não chega para quem investe na propaganda. E isso mata a relação meio-publicidade, contamina a parceria necessária. Não faz nenhum sentido apostar na mentira sem pé nem cabeça, sem fundamento. É um ato desonesto.

Pode acontecer de um meio impresso ainda crescer a circulação? Sim, pode. Mas é preciso algo muito surpreendente, uma vez que isso significa mudar o comportamento da audiência e exigir um pagamento por essa paixão repentina, justo quando os meios digitais se tornam ainda mais compactos e protagonistas. Nos EUA, por exemplo, a queda da circulação dos impressos segue constante. Segundo a Aliança para a Mídia Auditada, nenhum jornal nos EUA hoje tem mais de 500 mil exemplares por dia. E todos estão caindo. O líder The Wall Street Journal foi de 555,5 mil para 473,7 mil, queda de 14,7% entre dezembro de 2023 e o mesmo mês de 2024. Seguem o exemplo negativo The New York Times (-6,4%), New York Post (-6,9%), The Washington Post (-13%), USA Today (-14,8%) e The Los Angeles Times (-25,1%). Ou seja, nenhum cresce, muito menos acima de 100%.

Um meio de comunicação só tem sua reputação, sua relevância como ativo. Ser confiável é condição para o sucesso. Se o meio mente em seus próprios números, fica difícil alguém acreditar em suas notícias.

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