Muitas métricas táticas, poucas estratégicas
Sabemos que a campanha converteu quando o cliente buscou pela marca antes de comprar, mas não sabemos dizer o que fez o cliente buscar pela marca
Muitas métricas táticas, poucas estratégicas
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BuscarSabemos que a campanha converteu quando o cliente buscou pela marca antes de comprar, mas não sabemos dizer o que fez o cliente buscar pela marca
14 de fevereiro de 2024 - 6h00
A grande promessa do marketing digital era que tudo se tornaria mensurável um dia mas, paradoxalmente, um dos grandes desafios da atualidade da área continua sendo medir os resultados. De certa forma e a contragosto de muitos, meu inclusive, continua valendo aquela máxima de John Wanamaker: “Metade do meu investimento em publicidade é jogado fora; o problema é que não sei qual metade.”
Talvez um leitor um pouco mais cético, e otimista até, torça o nariz e venha me corrigir:
— Mas, Ivo, hoje temos métricas de tudo! Eu sei quanto cada canal vende, eu sei quanto cada anúncio vende, eu sei o ROI de uma palavra-chave…
Sim, é verdade. Hoje quase todas as coisas são mensuráveis, temos métricas de tudo — mas na verdade muito pouca mensuração do que realmente contribui para o resultado final.
Sabemos que a campanha converteu quando o cliente buscou pela marca antes de comprar, mas não sabemos dizer o que fez o cliente buscar pela marca. Este é o problema central do marketing digital atualmente e de todos os modelos de atribuição.
Escravos de last-click
A popularização do Google Analytics nos anos 2010 fez o marketing sair de uma perspectiva extremamente estratégica de antigamente (mas às vezes abstrata demais, mais emocional que analítica), para algo superficialmente tático em que só a métrica de cada dia importa.
Na última década, os investimentos foram alocados de acordo com o resultado de cada canal, o que levou a uma supervalorização do fundo do funil. Durante um bom tempo isso funcionou, porque havia muito menos concorrência e, como o digital ainda engatinhava, a jornada de compra era relativamente simples.
Podemos chamar isso de a Era do Marketing de Performance — que, como já comentei em outra oportunidade, chegou ao fim, embora ainda seja a visão predominante dos departamentos de digital. Participei já de muitas reuniões com executivos de empresas cuja única perspectiva era medir o “ROI imediato” de cada um dos canais, através do Google Analytics.
Para tentar mudar isso, com a chegada do GA4 existe a perspectiva de a plataforma do Google atribuir com inteligência artificial o peso de cada canal. Parece promissor, mas a verdade é que o problema será o mesmo com dados diferentes e o buraco é mais embaixo.
A grande questão em relação ao Analytics é que o modelo desse tipo de plataforma irá considerar apenas interações que ocorrerem no site ou no app. Mas todos nós, profissionais de marketing, entendemos que uma marca e um produto ganham importância na medida em que se inserem na cultura e na vida das pessoas, tornando-se desejo de consumo.
Neste sentido, boca a boca continua sendo o canal poderoso e continua difícil de medir, porque ele ocorre onde os dados não alcançam, como em grupos de WhatsApp ou até em uma mesa de bar. Não há Google Analytics para o que mais importa!
São as marcas que vendem e não o canal
Quando os departamentos de marketing medem os resultados apenas por canal de aquisição, ignoram o princípio elementar de que um mesmo canal tem diferentes tipos de comportamento de tráfego. Mas o culpado disso não são os profissionais, mas em como as coisas estão organizadas: afinal de contas, é cobrado resultado por canal. Quase toda empresa é assim, pois durante um tempo funcionou; mas agora está na hora de mudar.
Embora muito pouco divulgado, há essencialmente três tipos de comportamento de tráfego: 1) tráfego de marca: pessoas que buscam no Google por uma marca ou digitam a URL do site; 2) tráfego informacional: pessoas buscando informação, vindo através de buscas, histórico ou recomendações e 3) tráfego transacional: pessoas buscando por produtos; por exemplo, uma pessoa que pesquisou no Google por [geladeira]. Repare que uso bastante busca, porque a quase totalidade do tráfego de um site vem de buscadores e tráfego direto.
Segundo um levantamento que fiz, aproximadamente de 80% a 90% de todas as conversões de uma empresa acontecem com tráfego de marca. Quando medimos o ROI ou o ROAS, vemos que é comum que o tráfego de marca tenha um retorno literalmente dezenas de vezes maior que os outros comportamentos de tráfego. Na prática, acontece o seguinte: tráfego informacional “não converte”, tráfego transacional custa mais para vender que a margem do produto e só o tráfego de marca é extremamente lucrativo quando avaliados pelo último clique.
Se em reuniões de resultados de marketing, os dados fossem apresentados através de comportamento de tráfego e não de canal aquisição, os decisores rapidamente perceberiam que precisavam aumentar as buscas pela marca e que o canal importa menos que o comportamento de tráfego.
O problema é que não se aumentam as buscas gastando mais em performance de fundo de funil, mas sim investindo estrategicamente em todo o funil.
Só assim é que se cria demanda para a marca!
A boa e velha pesquisa
O grande problema de medir com acuracidade a eficiência do marketing é que as informações mais importantes estão na mente do consumidor e não no Analytics. Como disse, as ferramentas de análise conseguem dizer que as pessoas chegaram ao seu site e como; mas não sabem dizer por que elas compraram.
A solução para sair das métricas táticas não está em algo mirabolante, em uma configuração avançada de Analytics ou em uma nova ferramenta de inteligência artificial. Não, não! Está na boa e velha pesquisa. Porque, afinal de contas, as pesquisas é que são capazes de extrair o que está passando na cabeça do consumidor.
Há uma variante da pesquisa que são as entrevistas com os clientes, que geram insights extremamente poderosos. Recentemente, o CEO da Uber virou por alguns tempos motorista de aplicativo para entender como eles se sentiam e quais eram os problemas. Ir a campo também pode gerar insights que as métricas usuais não geram.
Outras formas de análise estratégica mais confiáveis
Além das pesquisas tradicionais, há uma métrica estratégica incrível e fácil de ser implementada: a autoatribuição. Basta colocar no formulário de contato ou no checkout um campo aberto “como nos conheceu” e mensalmente consolidar os canais criadores de demanda. É uma ótima forma de decidir onde intensificar seus investimentos.
Também é importante medir o volume de tráfego de seu site e comparar com os concorrentes, haja visto que há correlação entre tráfego e vendas — pelo menos no caso de e-commerce. Alguns dirão que tráfego é métrica de vaidade, entretanto entendendo o seu papel ajudará a entender muito bem como você está em relação aos seus concorrentes e assim tomar melhores decisões.
Porém a métrica mais importante de todas, para médias e grandes empresas, é o Share of Search. Criada por Les Binet, um dos mais respeitados especialistas em eficiência de marketing, ela é capaz de medir sua força de marca e também prever market share usando apenas dados do Google Trends ou do Google Ads. É tão poderosa quanto é ignorada. E o melhor: seu custo de implementação é baixíssimo!
Por fim, o mais importante mesmo será mapear a jornada do seu cliente, entender qual a função de cada um dos canais e como o consumidor se comporta ao longo das etapas do funil. Por falar em comportamento, deixo o spoiler de que conteúdos são um dos principais protagonistas para criar demanda para a marca.
No digital, já medimos muito o que converte; agora, precisamos medir agora o que leva à conversão. Chegou o momento não de abandonarmos a ideia de canais de aquisição, mas de entender o papel que cada um tem na estratégia do negócio. Só assim vamos conectar o tático ao estratégico.
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