Muitas vezes, quem ganha não vence
O racismo esteve no centro narrativo da última edição do BBB, mas sua discussão foi silenciada, o que demonstra falta de letramento racial e de reconhecer necessidade de ação
O racismo esteve no centro narrativo da última edição do BBB, mas sua discussão foi silenciada, o que demonstra falta de letramento racial e de reconhecer necessidade de ação
No último dia 25 de abril foi ao ar a etapa final da 23ª edição do Big Brother Brasil e o título deste artigo foi uma declaração repetida diversas vezes dentro e fora do programa. Apesar da frase ser direcionada às finalistas, à suposta “falta de jogo” e ao perfil de suas torcidas, de onde eu vejo ela vai além e se conecta com o tema que realmente dominou essa edição: racismo.
Eu acompanho o BBB desde a primeira edição, antes de ter rede social, voto online, “tiro porrada e bomba” ou camarote. E para além de toda evolução que vem através da tecnologia e adaptação a novos comportamentos da audiência, o programa sempre foi um grande observatório onde se reflete sobre a sociedade do momento, tanto para o bom quanto para o péssimo. Da escalação dos participantes, edição até os discursos de eliminação, a dinâmica que envolve as narrativas desenhadas e como elas são direcionadas e se espalham pelas redes através das torcidas sempre me fascinou muito. É um programa baseado em arquétipos (na maioria das vezes) bem selecionados, com uma edição que parece ser conduzida na intersecção do que a produção acredita ter poder narrativo e o que a audiência responde em engajamento, em volume. Já são 23 edições de um programa que é considerado o maior da TV aberta, tanto em audiência quanto em investimento.
Nessa edição, como falei no começo, o racismo foi o centro narrativo do que vimos no programa, e com a mesma intensidade que aconteceu, foi silenciado nos discursos, nas escolhas editoriais e em muitas conversas da audiência. A coisa mais fácil é encontrar conversas entre torcidas, fóruns em diferentes plataformas, spaces no Twitter, artigos que pontuam que não existiu nada de disso, repleto de pessoas que claramente não querem ouvir, acham exagerado, desnecessário, mimimi de militância, reforçando que BBB não é sobre “causa” e por aí vai. Veja bem, eu falei que a construção narrativa desse programa me fascina, né?
Imagino que é um total de zero surpresa para todos que estão lendo até aqui, que a grande maioria desses comentários veio de pessoas brancas. Não à toa, ficou nítido nessa edição que a régua para o branco e para o negro está bem longe de ser a mesma.
A real é que nós, brancos, fazemos um trabalho péssimo em relação ao nosso letramento racial, reconhecimento da realidade e ação. Começa por uma dificuldade imensa em se reconhecer racista, como reflexo de uma educação e sociedade racistas. Atitudes racistas não se reconhecem apenas através de agressão verbal e física – elas também se reconhecem no silenciamento, no não ouvir, no negar o relato, o sentimento, a fala que chega até nós. E de onde observo, me percebo e percebo o meu redor, esse silenciamento é muito frequente e evidente.
Uma das coisas que me permitiu perceber com mais nitidez foi o encontro com o livro Por que você não acredita em mim, da Winnie Bueno. Eu não poderia recomendar mais essa leitura. De verdade. Começando por Winnie, que como ela mesma se apresenta, é uma mulher preta, bissexual, de terreiro, nascida e criada no sul do Brasil, que conta histórias.
Através de relatos pessoais e de conhecidos, ela generosamente divide conosco uma série de violências vividas desde a infância e uma vida cercada por momentos de silenciamento, consequência de ser uma mulher preta. Um silêncio que corrobora com a manutenção da posição privilegiada dos brancos na hierarquia racial. Veja bem, não é um livro com a intenção de ataque, e se fosse, errada ela não estaria, mas vem de um lugar de contribuir para nos informamos mais e não reproduzirmos “discursos violentos sobre pessoas que já são tão frequentemente feridas”. É crucial entendermos que se quisermos fazer parte da luta antirracista, nós temos que ouvir o que os corpos negros dizem, sentem, dividem. Invalidar, diminuir, ignorar, descaracterizar nos coloca na contramão dessa história.
A leitura e as reflexões que tive no processo deixaram tão evidente o quanto os brancos não querem agir, porque isso implica em reimaginar uma sociedade e nosso papel e posição nela. E vai além, não é sobre defender a inclusão na realidade dos brancos, mas pertencermos a uma nova, onde todos façam parte como são. Parte do processo de (re)educação antirracista passa pela necessidade de implementar outras perspectivas, construir novas formas de olhar, de entender e de significar histórias e identidades. O livro da Winnie Bueno é algo que está fácil, pronto para você, só precisa realmente comprar e ler. Junto com esse eu comprei O Pacto da Branquitude, da Cida Bento, vou começar agora. Quer outra recomendação? Abre o Sympla e digita “Pensando a branquitude”, curso online organizado por Pretitudes, com Ana Ferreira, pesquisadora, professora e advogada, e Bruna Santiago, historiadora, escritora, ciberativista. Opçoes e possibilidades de evoluirmos não faltam. Qual a sua desculpa?
E termino com uma coisa que me ensinaram na adolescência e nunca esqueci: só porque você não vê algo, não quer dizer que não existe.
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