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Opinião

Muito cuidado com as soluções mágicas

O mais recente plano para remunerar com valores os meios de comunicação é o Google News Showcase, mas ele pode não ser tão bom quanto quer parecer


23 de junho de 2021 - 15h55

“As soluções mágicas precisam de muita atenção. Nem sempre funcionam”.

O mundo digital está cheio de boas ideias – e inúmeras incertezas. O comportamento da audiência é imprevisível. Por fatores difíceis de se entender, uma mesma estratégia de website funciona em um país e é um fracasso em outro. Marcas que fizeram história no jornalismo analógico têm enormes dificuldades de alcançarem o sucesso no meio digital. Enquanto novos meios aparecem e desaparecem com gigantesca velocidade.

Uma das marcas que apareceu de forma tímida, como um buscador, e foi crescendo, crescendo até virar uma potência chama-se Google. São pouco mais de 20 anos de operação – o suficiente para dominar o mercado digital. O Google está presente em praticamente todas as operações que alguém realiza na Internet. Empresa de “soluções tecnológicas”, como costuma se apresentar, Google é a principal conexão entre audiências e produtores de conteúdo do planeta. E ganha dinheiro com isso. Aliás, muito dinheiro (US$ 55,3 bilhões de receitas no primeiro trimestre de 2021, US$ 17,9 bilhões de lucro no mesmo período).

Com tanto dinheiro o Google entende que é preciso agradar as pontas, para não perder o domínio do negócio. Para a audiência, todos os serviços são grátis (verdade que em troca os usuários deixam seus dados, mas isso seria tema de outro texto). E para os meios de comunicação, os produtores de conteúdo, Google – que evita pagar pela distribuição através de seus canais – oferece eventualmente alguns programas que podem render um punhado de dólares.

O mais recente plano para remunerar com valores os meios de comunicação é o Google News Showcase, lançado experimentalmente no ano passado e que é motivo de broncas em diversos países. No Brasil, ele apareceu em fase de testes como Google Discover nos celulares: uma lista de matérias “recomendadas” pelo Google, através de algoritmos que identificam os hábitos de leitura do dono daquele celular. No Showcase utiliza-se a mesma estratégia e tecnologia do Discover, mas as empresas de comunicação fazem uma curadoria prévia e oferecem essa ou aquela matéria – sem paywall.

Simples e fácil, não? Calma. As soluções mágicas nem sempre funcionam como alguém imagina. Para entrar no programa Showcase o meio de comunicação precisa aceitar a proposta Google. E, como condição, está afirmar que a empresa se sente bem recompensada pela “venda” daquela matéria. Só que o Google, claro, não abre as métricas que comandam os algoritmos. Ou seja, se a Inteligência Artificial entender que uma matéria não funciona para aquele público específico, ela não aparecerá para aquele usuário.

Se essa operação é complicada – e os meios de comunicação negociam em separado, o que é péssimo para melhorar as condições – a consequência da utilização em massa do Showcase pode ser ainda mais danosa. A melhor estratégia para uma empresa de comunicação ganhar fidelidade de sua audiência, e transformar essa parceria em assinaturas, é ser reconhecida como produtora de conteúdos diferenciais. Ou seja, criar admiração pela marca, como sinônimo de qualidade e confiabilidade. Showcase é uma ameaça, então.

Quando várias reportagens estão lado a lado em um mesmo espaço, entende-se que houve uma curadoria daquela informação. Se cada uma dessas matérias pertencer a um diferente veículo de comunicação, a unidade estará formada pelo “integrador”, e não pelo meio. A marca, portanto, desaparece no entendimento da audiência. E surge um novo veículo: Google News Showcase. A fidelização estará com esse novo meio, que além de tudo é grátis.

A solução mágica proposta é, então, um tiro no pé. É por isso que tantas empresas de comunicação estão evitando assinar com o Google. Há poucos dias, em um evento virtual da WAN-Ifra (Associação Mundial de Jornais), o CEO do Grupo Vocento – empresa espanhola líder em mídia regional – Luis Enriquez foi claro ao dizer que não assinará nada com o Showcase, ou estará jogando contra sua estratégia de assinaturas digitais. Pelo menos por enquanto. Outros executivos estão seguindo por esse mesmo caminho.

No Brasil, segundo o próprio Google, em março já eram 35 empresas parceiras, entre elas Folha de S. Paulo, GaúchaZH, Correio Braziliense, O Povo e Estado de Minas. Sem uma negociação em bloco, como foi feito na Austrália, as condições serão ruins para todos. E as regras, claro, ditadas pelo gigante Google.

As soluções mágicas precisam de muita atenção. Nem sempre funcionam.

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