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Opinião

Nada mudou? Mudou. E há bastante tempo

As marcas precisam parar de florear o que precisa ser dito em momentos críticos


16 de fevereiro de 2023 - 6h00

(Créditos: anttoniart/shutterstock)

Talvez muitos ainda não tenham notado, mas as regras do jogo na construção (ou destruição) de marcas mudaram bastante. Pesquisas realizadas sobre confiança e reputação demonstram o quanto, na maior parte dos países, são as empresas – e suas marcas – as fiéis depositárias da esperança e confiança da população. Espera-se que venham destas instituições a mudança que o mundo precisa.

Esta é a maior janela de oportunidade para que as empresas retribuam a confiança que os consumidores vêm depositando sobre as suas marcas. E qual seria a melhor forma de retribuir? Entregando verdade e transparência para o consumidor.

Entretanto, parece que alguns estão fazendo exatamente o contrário, desprezando e abusando dessa confiança. Pensam o seguinte: se confiam em nós – e mais em nós do que em qualquer outra instituição – se restaram apenas as empresas como instância de confiança, então posso aproveitar a situação e continuar prometendo o que não sou capaz de cumprir.

Neste cenário, preferem afirmar, como fez a Americanas após as notícias sobre sua exuberante fraude contábil, que nada mudou. Mas mudou sim. Para muita gente. E não é de hoje.

Só há uma coisa que parece ser a mesma: a falta de transparência. Tal característica parece estar presente tanto nas práticas de gestão financeira, quanto na campanha de comunicação após a crise estar instaurada.

Se com a campanha após início da crise a empresa quis nos fazer entender que nada mudou porque negócios sempre foram feitos assim e continuarão assim, lamento informar, mas a síndrome da Gabriela não parece ser o melhor caminho para o nosso espírito do tempo.

Então, o que deveria estar escrito no comunicado da empresa, tantas vezes postado e replicado nas redes? Deveria estar escrito o que precisava ser dito. E não o que se gostaria de dizer. Se a mensagem tinha por objetivo tranquilizar, de certa forma, os consumidores, que isso fosse falado. Que fosse informado que a marca continuava operando em seus vários pontos de contato.

As marcas precisam parar de florear o que precisa ser dito em momentos críticos. Não devem escolher o que seria melhor dizer para “pegar bem”. Autenticidade e transparência são sempre o melhor caminho para uma comunicação eficaz.

Não era momento de ter uma comunicação criativa, com mote publicitário. Era o momento de haver uma comunicação assertiva: objetiva e respeitosa. A forma como a Americanas escolheu falar ao mercado, logo após o escândalo, representa uma era da comunicação publicitária que não faz mais sentido. Uma era que foca apenas na promessa de marca. E não lembra de cuidar da sua entrega.

Vamos pensar um pouco mais. Fazia sentido para a Americanas seguir realizando promessas de marca, vazias, que operam apenas como frases de efeito, em um contexto de desconfiança? Penso que não, uma vez que promessas perdem completamente o sentido quando não há mais confiança em que emite a mensagem.

Já estamos embarcados numa nova era, em que transparência, confiança e reputação são as moedas que importam para os consumidores. Não adianta continuar só prometendo. Isso vale para todos os stakeholders. Por isso, que tal aproveitar o contexto e rever toda a sua estratégia de EB? Conectada, de verdade, ao que você é capaz de fazer em EX para que se obtenha engajamento legítimo de seus funcionários. Movimentos e comportamentos mais do que emergentes, como quit quitting e great resignation, precisam ser levados a sério pelos gestores. Percebeu como está tudo conectado? São muitos aqueles que despertaram e que agora exigem que expectativa x realidade seja apenas um meme nas redes e não mais o retrato do seu dia a dia como funcionário, consumidor ou fornecedor.

A Americanas nunca poderia ter afirmado que nada mudou. E mesmo que não tivesse mudado nada para o consumidor final, mudou para tantos outros stakeholders. Não há reputação parcialmente boa. Reflita: você contrataria um funcionário com uma reputação que fosse boa, mas só em alguns aspectos de suas atitudes?

Será que o mesmo é possível para uma empresa? Ser confiável e ter boa reputação para um determinado tipo de stakeholder, enquanto a imagem de marca esfarela com todos os demais?

Não dá mais para confiar desconfiando. Vivemos a era da imagem de marca que seja menos expectativa e mais realidade. Branding precisa ser íntegro, integrado e inteiro.

O que precisa ficar claro é que o branding deve ser alavanca da reputação e não catapulta. Construção e não destruição iminente. Branding deve ser parte integrante da gestão da empresa. Se separarmos estes dois temas, corremos o risco de voltar ao mesmo erro de um passado próximo da comunicação publicitária: apartar a comunicação do negócio, da estratégia, como se a comunicação vivesse uma realidade paralela ao que de fato a empresa entrega.

Branding (deveria) nascer do que a empresa faz, e é capaz de passar a fazer, de verdade, para se diferenciar no mercado e fazer sentido para os seus stakeholders. Não deveria se basear apenas em como gostaria de falar e ser. A empresa precisa se perguntar: o que me habilita a fazer essa promessa de marca? Tenho os valores e competências necessárias para essa entrega? Sou capaz e quero mudar, se for preciso, para só depois prometer o que quero ao mercado?

Depois de planejado a partir das capacidades da empresa e de sua cultura organizacional conectadas à perspectiva do cliente, o branding deve ser guia da tomada de decisão. Das menores às mais significativas.
Infelizmente tem bastante gente por aí apenas dando publicidade ao que chamam erroneamente de branding. Porque branding de verdade parte de um propósito real da empresa, que é revelado – e não inventado – a partir das verdades de sua cultura organizacional. E que precisa ser viável e concreto para todos os stakeholders, internos ou externos. Só assim as promessas de marca serão factíveis. E, quando publicizadas, terão entregas equivalentes ou ainda superiores às promessas.

E se um dia a promessa for quebrada, não invente outra antes de reparar a confiança e reconstruir a sua reputação. Será que o seu branding está planejado sob bases sólidas e verdadeiras? Conectadas aos novos anseios das pessoas, em seus mais diversos papéis sociais?

Se o branding da sua empresa estiver pautado apenas em promessas vazias, sem reflexo nas práticas e ações reais de sua empresa, em todos os aspectos de sua gestão, fique tranquilo. Você também pode afirmar que nada mudou. E continuar confortável fazendo como sempre fez. Só não sabemos até quando.

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