“Não anunciem”
Diante de insulto de Elon Musk aos que boicotam o X, anunciantes avaliam riscos de se afastarem da rede social ou manterem ativas as conexões com os usuários, independentemente da postura — ou falta de — de seu proprietário
Diante de insulto de Elon Musk aos que boicotam o X, anunciantes avaliam riscos de se afastarem da rede social ou manterem ativas as conexões com os usuários, independentemente da postura — ou falta de — de seu proprietário
Plataformas digitais, assim como sempre fizeram os veículos de mídia, gastam parte considerável de seus recursos, dedicam tempo dos talentos contratados e estão sempre em busca de novas estratégias para atrair anunciantes. O faturamento com publicidade é alicerce para as empresas que sobrevivem da produção e distribuição de informações e entretenimento, desde os canais de conteúdo fechados, acessíveis por assinaturas, até as redes sociais, de adesão aberta ao público.
Sendo assim, causou espanto o insulto dirigido aos anunciantes pelo dono do X (ex-Twitter), Elon Musk, na semana passada. Entrevistado em evento do The New York Times, o empresário usou palavrões para assumir uma postura desafiadora às marcas que decidiram parar de investir na plataforma após ele ter endossado, em seu perfil pessoal, uma teoria da conspiração antissemita. “Não anunciem”, recomendou.
Segundo Musk, o boicote publicitário ocorre com a intenção de chantageá-lo. Por outro lado, sustenta que a retirada dos investimentos pode matar sua empresa, e que isso será “documentado” para que o mundo saiba que foi assim. Não há dados atuais disponíveis e confiáveis, mas antes de Musk assumir o controle da empresa, a publicidade representava cerca de 90% da receita do Twitter.
Mesmo se tratando de uma personalidade conhecida por seu ímpeto de parecer mais uma estrela do showbiz do que um líder empresarial, as declarações expõem um método raro entre os donos da mídia e não ajudam a frear o movimento de suspensão de veiculação de publicidade no X.
Posicionamentos de empresas, marcas e seus líderes importam para um número crescente de anunciantes, que têm seus movimentos constantemente monitorados por fãs, consumidores e sociedade — cujas vozes foram amplificadas justamente pelas redes sociais. Entretanto, o afastamento de anunciantes do X vem sendo encorpado não apenas pelas condutas públicas de Musk, mas também por questionamentos sobre práticas de segurança da plataforma e falta de moderação de conteúdo, aspectos que nutrem ambientes desconfortáveis para muitas marcas. Pesam nessas decisões de debandar a análise de que os possíveis ganhos com as conexões viabilizadas pela rede social não compensam os riscos para a imagem das marcas, além da constatação de que em um cenário de mídia muito mais pulverizado, o acesso ao mesmo público pode se dar também por outros canais ou plataformas.
As declarações de Musk desencadearam, ainda, mau humor entre as agências de publicidade, que já torcem o nariz para as investidas que as plataformas digitais fazem diretamente aos anunciantes, muitas vezes para instigar o uso de ferramentas proprietárias que preterem a intermediação das parceiras de publicidade das marcas.
Envolvido em negócios que vão de carros elétricos a foguetes espaciais reutilizáveis, Elon Musk aumentou sua constância como personagem de múltiplas histórias acompanhadas pela mídia global desde que comprou o Twitter. E, mesmo demonstrando que não tem muito medo de perder clientes no X, o empresário também parece reavaliar os riscos constantemente. Na mesma entrevista ao The New York Times, se desculpou pelo post antissemita, assumindo ter sido “a pior e mais idiota postagem” que já fez. Ainda na semana passada, visitou Israel e se encontrou com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
O jogo do morde e assopra tem dado certo para muitas personalidades empresariais, artísticas e políticas que apostam nas vantagens de estarem expostas o tempo todo e se valem da associação feita por muitas pessoas entre posturas impetuosas e atitudes de transparência, sinceridade e coragem de enfrentar o status quo, mesmo quando se é parte dele.
Constantemente descrito, por uns, como megalomaníaco e, por outros, como visionário, Musk parece não se abalar pelo rastro de polêmicas que deixa. Dois dias depois de proferir as ofensas aos anunciantes, o empresário já estava de volta à mídia com uma nova notícia: o lançamento da Cybertruck, picape elétrica e futurista da Tesla. Acelerando para virar a página, mais uma vez.
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