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Não é bloqueio criativo, é seu cérebro negando publicidade irrelevante

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Opinião

Não é bloqueio criativo, é seu cérebro negando publicidade irrelevante

Por isso, é importante mudar o foco quando o bloqueio acontecer e buscar algo que realmente possa te mover e à sua audiência, convertendo-se em engajamento


19 de agosto de 2024 - 6h00

São 17h52. Trabalho até às 19h.

Em menos de duas horas, preciso fazer slides para um projeto e escrever um artigo de quatro mil caracteres sobre publicidade – este texto que você lê agora – e tudo que consigo pensar é no vídeo da Tamires, jogadora de futebol do Corinthians e da seleção, pedindo a cantora Gabi Fernandes em casamento. Devo ter assistido pelo menos cinco vezes e minha página continua em branco.

Quem nunca?

Pode parecer um bloqueio criativo desses que todos nós temos vez ou outra quando precisamos entregar uma ideia de campanha em um tempo curto e nada parece vir à cabeça, o que o neurocientista Adam Gazzaley explica como sendo consequência do nosso estilo de vida ultraconectado e da sobrecarga de trabalho.

Mas a verdade é outra. Em uma semana em que os maiores assuntos envolvem acidentes aéreos, ameaças de guerras e conflitos políticos – o que tem sido cada vez mais comum -, também é uma estratégia de fuga do nosso cérebro se apegar a vídeos bonitos que ajudam a ter esperança na humanidade. E, nesse sentido, escrever sobre publicidade parece muito menos relevante do que ver o amor entre duas mulheres depois de uma delas ganhar uma medalha de prata numa competição histórica.

E é o que aquele ditado diz: tem vez que não adianta dar murro em ponta de faca, fazendo esforço por algo que não vai dar em nada. Nesse sentido, é importante mudar o foco quando o bloqueio acontecer e buscar algo que realmente te move e pode mover sua audiência. Relevância gera atenção plena, que se converte em engajamento. Para vencer bloqueios criativos precisamos ter em mente não somente o problema que precisamos resolver, mas quão relevante queremos que a nossa entrega seja para as pessoas.

E foi aí que decidi abandonar a ideia de falar sobre as campanhas da semana para escrever sobre Olimpíadas. Nada contra as campanhas, mas não estavam me movendo o suficiente para vencer a página em branco.

Falar sobre os jogos é mais fácil e inspirador do que falar sobre a publicidade não somente pelo ego envolvido em competir com centenas de outros países, mas também por vermos a melhor ginasta do mundo superando problemas de saúde mental enquanto a segunda melhor ginasta do mundo se destaca mesmo tendo uma história de dificuldades, caminhando duas horas até o treino e precisando sair de casa aos nove anos de idade para se dedicar ao esporte. Ou porque vemos nosso maior nome da canoagem treinando, ainda jovem, com materiais improvisados no que parece ser a garagem de casa e, anos depois, dando um gás nos últimos segundos e saindo do quinto para o segundo lugar de forma inacreditável. Ou ainda por podermos torcer para que a maior jogadora de futebol do mundo saia do banco e tenha uma última oportunidade nas Olimpíadas.

É uma questão de quão relevante esses atletas se tornam quando se mostram humanos e vulneráveis. Algo que a maioria das marcas, bem, está longe de saber fazer.

Sendo sincera, às vezes, nosso cérebro não está em estado de bloqueio criativo. Ele está protestando, pedindo para buscarmos histórias realmente interessantes. Nesse sentido, é preciso que criemos ideias menos autocentradas e mais conectadas com o que pessoas reais têm interesse e precisam ver.

Por exemplo: queria muito ver uma marca construindo o casamento dos sonhos para a Gabi e a Tamires. O assunto está quente, dá tempo. Outra marca poderia patrocinar Rebecas e Isaquias do futuro. Podíamos ter mais times apoiados por marcas o ano todo. Imagina um documentário sobre nossos atletas como temos para Simone Biles?

A Constituição brasileira estabelece que a atividade física é um direito de todos e que os governantes estão obrigados a disseminá-la pela sociedade. O Bolsa Atleta, programa que existe desde 2005 e um dos maiores programas de patrocínio individual de atletas no mundo, hoje, beneficia apenas atletas de alto desempenho e permite que eles tenham outros patrocínios paralelos.

Mas algumas marcas podem pensar: esporte não é meu território.

Tudo bem. Primeiro porque os atletas são personagens complexos, com diversas camadas e territórios de interesse. Segundo, porque este texto não é sobre esporte.

Este texto é um convite para vencermos nossos bloqueios criativos evitando o stress de secar gelo, insistindo em caminhos não férteis. Precisamos de uma publicidade mais relevante em que as histórias das pessoas estejam em primeiro plano e o produto seja maximizador dessas histórias, não o contrário. A relevância e a facilidade para ter ideias estão aí, não à toa as Olimpíadas são um assunto tão fértil. E isso vale até mesmo para briefings duros, focados em features ou super técnicos. Nesse sentido, filmes da Apple como “Relax: Tractor” e “Fuzzy Feelings” dão aula.

Pronto, terminei o texto citando uma boa publicidade, que cumpre todos os requisitos.

Quatro mil caracteres. No tempo previsto.

Gol do Brasil.

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