O anti-branding do futebol brasileiro
Ignorar a própria história em prol de atitudes artificiais coloca qualquer negócio em posição de risco
Ignorar a própria história em prol de atitudes artificiais coloca qualquer negócio em posição de risco
23 de fevereiro de 2017 - 14h47
O futebol sempre foi uma das grandes paixões do brasileiro. Lembro-me bem do meu primeiro jogo, do ambiente no entorno do estádio, das bandeiras, luzes e fumaça, e da emoção que essa experiência me proporcionou.
Mas lá para o final dos anos de 1990, a cartolagem chegou à conclusão de que precisava modernizar o futebol brasileiro. Em grande parte, a ideia veio graças à popularização da UEFA Champions League. Desde então, este grupo que nunca frequentou estádios na vida passou a modificar os rumos do nosso futebol.
E a mudança não veio apenas das confederações. Clubes passaram a profissionalizar as diretorias de marketing atrás de novas fontes de renda. O resultado apareceu em contratos de patrocínio maiores e a adoção de uma série de ações de merchandising e comunicação. Até a Copa do Mundo de 2014 a maré foi positiva.
Se você chegou até aqui, deve estar se perguntando: onde entra o branding nessa história? Estamos falando de uma tentativa contínua de modificar o posicionamento, a percepção de valor e o relacionamento com públicos e pontos de contato do futebol brasileiro como produto. E aqui nasce um problema.
Copiamos o modelo europeu e deixamos para trás valores que eram a base de um de nossos principais ícones culturais. Proibimos bandeiras, instrumentos e clássicos com estádios divididos. O resultado é hoje um futebol mais frio e distante de nossa essência. Até mesmo a Ponte Preta deixou a macaca de lado e assumiu um gorila como mascote.
Assim, nosso esporte está perdendo energia e as novas gerações cada vez mais estão apaixonadas por clubes do exterior. Mas o que poderia ter dado errado se basicamente copiamos o modelo de sucesso do futebol europeu?
Uma experiência sul-americana na Europa
Vale aqui uma pequena lembrança histórica. As transformações do futebol europeu foram necessárias graças a problemas parecidos com os nossos: violência, estádios precários e administração ruim dos clubes.
Porém, ao conduzirem as mudanças, os europeus respeitaram um princípio básico do branding: entender a respeitar a cultura local. Mesmo assim, discussões sobre a higienização dos estádios graças ao alto preço dos ingressos são frequentes no velho continente.
Mas manter a experiência de um estádio de futebol é possível e o Borussia Dortmund provou isso. O clube alemão coloca ingressos a preços populares para sua arquibancada e incentiva o uso de bandeiras, mosaicos e instrumentos por parte da torcida. O resultado é uma valorização da marca da equipe e fama mundial para sua torcida, a Muralha Amarela.
Mudanças impostas
Já por aqui não conseguimos equalizar nossa cultura com as mudanças. Basta lembrar como era o Maracanã – um dos maiores símbolos culturais do Brasil – na década de 1980 e comparar aos dias de hoje. Esqueceram de guardar um lugar para os geraldinos da torcida do Flamengo?
Quem mais sente são os torcedores, a base que sustenta qualquer clube. Seus sentimentos e os valores que os conectam quase religiosamente a uma camisa foram deixados na gaveta pelos departamentos de marketing. E um grande exemplo está em um dos clubes mais populares do Brasil, o Corinthians.
Ao longo da última década, seu marketing recebeu diversos elogios por gerar caixa, trazer jogadores de renome e por seu papel importante no projeto da Arena Corinthians. O grande problema é que uma elitização do estádio excluiu muitos corintianos da vida e da rotina do clube que tanto amam, pessoas que eram fundamentais na construção da marca do clube.
Ao ignorar a herança histórica e os valores que fundaram cada clube, nosso moderno futebol mata uma de nossas principais manifestações culturais. Deixa o espetáculo mais artificial e frio, sem espontaneidade, e tira o valor de nossas marcas.
Esta é uma lição para todas as marcas aprenderem. Quanto mais distante elas estiverem de seus valores, da sua essência e do entendimento de quem é o brasileiro, ou seja, quanto mais vertical for sua comunicação, mais em risco está seu futuro. Como Wally Olins defendeu durante toda sua carreira, a autenticidade é fundamental para o sucesso de qualquer programa de branding.
Ignorar a própria história em prol de atitudes artificiais coloca qualquer negócio em posição de risco. Finalizo deixando aos amigos uma pergunta para reflexão: até onde vale a pena conduzir um programa de branding que ignora a própria essência da marca e a cultura do brasileiro?
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