O barulho de Brasília
Quem tem a comunicação como ofício sabe que a eficiência de um meio está diretamente relacionada ao propósito da mensagem
Quem tem a comunicação como ofício sabe que a eficiência de um meio está diretamente relacionada ao propósito da mensagem
Na quinta-feira 28, após encontro com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, o ministro da Economia Paulo Guedes afirmou que havia “muito ruído de comunicação”, nas conversas sobre a Previdência.
A reunião havia sido marcada na tentativa de conter os ânimos exaltados no embate entre Maia e o presidente da República, Jair Bolsonaro. A peleja verbal pública entre os dois fez balançar o pilar mais estratégico de qualquer grupo que assumisse a presidência do Brasil neste momento, independentemente de suas crenças.
Um dia antes, o próprio Guedes praticamente condicionara sua permanência à frente da pasta ao sucesso das reformas que pretende implementar — e a Bolsa de Valores, que andava em compasso de espera por boas notícias para o mercado, para avançar sobre a emblemática barreira dos 100 mil pontos, engatou uma marcha ré acelerada. A trégua acertada entre Guedes e Maia propiciou uma reação positiva do mercado.
Seja impressa de forma definitiva nas páginas de dicionários tradicionais, seja exposta nas telas de plataformas modernas e editáveis, a definição de comunicação envolve ao menos dois personagens: o emissor e o receptor da mensagem. É um processo primário e intrínseco ao desenvolvimento dos seres humanos e da sociedade que construímos. Não há qualquer indício de que possamos buscar uma maneira harmônica de convívio sem essa troca de informações e intenções.
Comunicar é muito mais do que simplesmente emitir palavras. Envolve gestos, códigos, postura, além de carregar em si todo o peso do histórico contemplado, ainda que implicitamente, na conversa. Nem tudo pode ser compreendido ao pé da letra. Para se avaliar a qualidade de uma comunicação, a interpretação da mensagem pelo receptor conta mais do que a intenção do comunicador ao concebê-la.
Se entre duas pessoas já é preciso ser hábil com as palavras, tanto para evitar mal entendidos quanto para se avançar rumo ao propósito pelo qual se estabeleceu uma conversa, ainda que os posicionamentos sejam destoantes — ou especialmente quando isso acontece —, imagine quando a necessidade de um mínimo de convergência por meio da comunicação envolve alguns grupos. Pense nas situações cotidianas no trabalho, na família, nas rodas de bate-papo entre amigos e colegas. Aqui, o velho e ambíguo ditado não cabe: comunicar é preciso, sim, no sentido de necessidade, mas não quanto à exatidão de seus resultados.
A eleição de Jair Bolsonaro à presidência foi resultado da junção de diferentes grupos com pensamentos distintos em sua essência, mas unidos pela missão de evitar a volta do Partido dos Trabalhadores ao poder. Inebriados pelo sucesso na jornada, com a ampla vitória na eleição, subestimaram a segunda fase da empreitada. A inevitável tarefa de governar o País demandará, primeiramente, um mínimo de entendimento entre a ala defensora de uma política econômica liberal, o núcleo militar, os líderes da bancada evangélica e o grupo imbuído de uma cruzada ideológica que insiste em ouvir o som de correntes arrastadas pelo fantasma do comunismo. O fato de não chegarem a um consenso nem entre si explica muito da relação belicosa estabelecida até aqui com o Congresso, personificado na figura do presidente da Câmara.
Que os panos quentes colocados por Guedes e Maia no final da semana superem o campo da retórica e estabeleçam um novo patamar para as conversas daqui em diante. De preferência, deixando o campo virtual de lado. Quem tem como ofício estabelecer conexões e relações duradouras sabe que a eficiência de um meio está diretamente relacionada ao propósito da mensagem. E começa a ficar evidente que a comunicação que levou o presidente ao Planalto parece não ser a mais indicada para sustentá-lo.
*Crédito da foto no topo: Reprodução
Compartilhe
Veja também