O chocalho de latas

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Opinião

O chocalho de latas

O prazer, para mim, reside em botar a mão na massa. No entanto, precisamos lutar pelo laurel; é parte integrante do negócio e traz prosperidade a todos os envolvidos


23 de agosto de 2023 - 14h00

Estou completando 35 anos de redação publicitária. Sempre vi a profissão sem glamour algum, mas como um ofício honesto que me proporcionasse sobreviver e criar os filhos de forma digna.

Admito, os prêmios nunca foram meu foco. O prazer, para mim, reside em botar a mão na massa. No entanto, precisamos lutar pelo laurel; é parte integrante do negócio e traz prosperidade a todos os envolvidos.

Quando tinha um ano de atividade, fiz o meu maior feito no campo das condecorações. Como redator júnior, ganhei um Leão de ouro que, até bem pouco tempo, se manteve como a maior nota de comercial brasileiro em Cannes: Latas, para o cliente Ciba-Geigy (atual Novartis). No mesmo pacote, ainda veio um bronze.

Agora, a parte do texto dedicada aos redatores ingressantes no mercado. Não, não pensem que dois galardões desses na infância da carreira vão lhes garantir muita coisa na vida. Diferentemente da Grande Arte, o nosso artesanato exige matar um felino ao dia. Assim, aquele ícone dourado auferido na Riviera Francesa tem prazo de validade curtíssimo. O conselho inevitável é: sigam ativos e atualizados. É o que eu mesmo faço, desde então.

Mas que foi memorável conquistar aqueles troféus, foi. Vejam o que a própria agência afirmou sobre o episódio no livro Não Conformistas, Dissidentes e Rebeldes – 80 Anos de Standard + Ogilvy no Brasil – de 2013:

Araldite unindo o impossível e uma safra de leões.

Um comercial de absoluta simplicidade, pura ideia, mordeu o Grand Prix de Cannes em 1989, levou ouro num tempo de vacas magras e causou polêmicas.

Na tela, apenas um fundo escuro; na trilha, forte batida de escola de samba; vindas de cada lado, em primeiro plano, vão se aproximando duas latas de refrigerantes: uma de Pepsi, outra de Coca. Breque na trilha, e as latas ficam estáticas.

Entra o produto: uma bisnaga aplica Araldite no fundo de cada lata; ronco de cuíca, as duas encostam-se fundo com fundo, ficam grudadas. Entra uma mão, agarra e sacode o instrumento criado: as latas coladas de Coca e de Pepsi se transformaram num sonoro chocalho. Coca e Pepsi unidas. O tema: ‘Araldite cola até o que parece impossível’…

…No mesmo festival, um segundo filme para Araldite, ‘Rodeio’, de Carlos Castelo, Fernando Mesquita e Ricardo Furriel, levou o bronze. A agência comemorou com uma festa com escola de samba na ‘plaza’ de seu prédio, em São Paulo, parando o trânsito da Rebouças com a Faria Lima. A estrela era o chocalho de latas.

Aqueles 45 segundos marcaram minha trajetória por 35 anos. Li artigos em publicações internacionais alardeando que o Brasil inventara a criação minimalista, compatível com as condições socioeconômicas do país. Certa tarde, no Centro Georges-Pompidou, em Paris, vi Latas sendo projetado no hall do museu numa exposição dedicada à publicidade.

Passada a glória, voltei a trabalhar nos jobs cotidianos, zero refinados. Lutar todo dia como um leão, também é um Leão.

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