O clichê das gerações e nossa preguiça intelectual
Muitas das análises revelam muito mais sobre o comportamento e pensamento da geração que analisa do que os que estão sendo analisados
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19 de fevereiro de 2024 - 14h00
“Eles buscam viver a vida de acordo com seus propósitos. Fazem questão de dizer o que pensam e não se importam com o que pensam deles. Desafiam as normas que os impedem de viver de forma autêntica.”
Poderia ser o resumo de qualquer relatório de tendência sobre comportamento dos “Gen Z”, mas é apenas uma descrição de pessoas jovens feitas por Hesíodo, poeta grego que viveu, aproximadamente, em 700 a.C.
O fato de uma descrição sobre o comportamento juvenil há 2,3 mil anos soar familiar nos tempos de hoje diz menos sobre os jovens não terem mudado e muito mais sobre a nossa incapacidade de percebermos e nos livrarmos dos nossos próprios vieses.
Toda e qualquer relação geracional é composta por uma geração que se acha mais inteligente e moderna do que seus predecessores e mais sábia e moralmente correta do que seus sucessores.
O mais tragicômico é que tratamos os comportamentos das gerações sucessoras como uma manifestação de excentricidades espontâneas incorrigíveis e preocupantes.
Dessa forma, Millennials e Gen Z são reconhecidos por seu comportamento obsessivo com telas portáteis, fragilidade emocional e desrespeito por hierarquias e carreiras.
Muitas vezes, esses comportamentos são analisados pela nossa geração dominante de uma forma condescendente, condenatória e consumista. Mas essas análises revelam muito mais sobre o comportamento e pensamento da geração que analisa do que os que estão sendo analisados.
Revela muito sobre como reduzimos nossa observação ao fenômeno e ignoramos completamente as relações. A psicanálise diria que é uma estratégia eficaz de desimplicar-nos das nossas próprias responsabilidades, uma vez que teríamos que olhar para coisas que preferimos ignorar (consciente e inconscientemente).
É muito fácil fazer um apontamento zoológico do comportamento ativista e propositivo das gerações mais novas sem olhar que isso é um comportamento influenciado diretamente pelas nossas escolhas em favor de uma alienação política que foi incapaz de frear a destruição do meio ambiente, da economia e dos direitos trabalhistas.
Para entender as pessoas, é necessário entender como funciona o mundo ao seu redor e o nosso papel nessa equação. Sartre já dizia que a existência precede a essência. Para compreender as manifestações, é necessário reconhecer as relações.
O ato de EXISTIR consiste em tomar decisões (estabelecer relações) e assumir responsabilidades que orientam o curso das nossas vidas. Contudo, por mais que sejamos sujeitos livres para tomarmos decisões, existem condições estruturais que determinam as possibilidades dessas decisões.
Dario Calmese reforça: “O mundo em que vivemos atualmente foi projetado. Por quem? Para quem? E não apenas foram projetados: eles, por sua vez, nos projetam, moldando nossos pensamentos, nossos desejos e a maneira como percebemos o mundo.”
Quando chegamos nesse lugar, percebemos que a ideia de gerações serve tão somente para a conveniência da nossa preguiça intelectual e fobia social, que não quer se meter na sujeira que é ter que descobrir mais sobre os nossos consumidores além dos hábitos de consumo.
Ai de nós, agora ter que tratar consumidores como pessoas que têm uma vida para além dos demográficos. Não temos tempo para entender por que gente jovem da periferia não se percebe em nada com o perfil de Gen Z que pipoca nos slides das empresas de pesquisas fundadas e mantidas por pessoas que não sabem dizer se Cangaíba é uma praia na Bahia ou um bairro distante da zona Leste de São Paulo.
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