31 de outubro de 2017 - 13h16
O texto de hoje é, na verdade, uma espécie de expansão de um post que fiz no Facebook e acabou gerando razoável repercussão. Quantitativa, mas também, e sobretudo, qualitativa. Foram muitos comentários de gente bastante especial, e isso me animou a elaborar mais a provocação. Não é a primeira vez que trago para este espaço uma ideia que foi testada previamente em uma rede social. Às vezes é um pensamento que exponho no LinkedIn, outras vezes é um “textão” do Face e há ocasiões em que um breve tweet (os meus, ainda limitados a 140 caracteres) acaba vindo parar aqui neste espaço. E, como uma das questões centrais do meu post dizia respeito justamente à importância de levarmos os debates — políticos ou não — para fora da websfera, acho fundamental retomá-lo agora.
O post foi provocado pelo seguinte comentário, feito em tom de desabafo por um amigo: no ano que vem teremos uma guerra civil no Brasil. Eu disse a ele, com a sinceridade rascante e a urgência típica do nosso comportamento em grupos de WhatsApp, que uma guerra civil ao menos serviria para forjar o caráter de uma nação, como ocorreu nos Estados Unidos, país onde vivo desde o final do ano passado. Não, amigos. Não veremos uma guerra civil no próximo ano. Longe disso. O que vai ocorrer no Brasil em 2018, podem apostar, é mais uma guerra de memes virulentos, notícias mentirosas e frases “lacradoras” — tudo covardemente restrito às redes sociais — entre os dois espectros mais tristes da nossa sociedade: uma esquerda lobotomizada e uma direita truculenta. O resultado final, eu já sei: o País terá um idiota na Presidência. Não sei ainda se de camisa amarela ou de camisa vermelha. Mas, definitivamente, um idiota.
E a chegada desse idiota ao poder será, não se iludam os esclarecidos leitores, culpa nossa. Sim, nossa. Culpa das pessoas razoáveis e articuladas que poderiam buscar uma terceira via, mas simplesmente não têm estômago nem força de caráter para comprar a briga e enfrentar o domínio truculento e berrante dos fanáticos dos dois extremos. Um domínio apenas aparente, posto que só acontece para valer nas redes sociais. Fora delas, creiam-me, ninguém é tão de direita ou tão de esquerda assim. Acho essa divisão absolutamente caduca, mas, de qualquer forma, seja você de “direita” ou de “esquerda”, a verdade é que poderíamos viabilizar um Fernando Gabeira, um Álvaro Dias, um Cristovam Buarque ou mesmo o João Dionisio Amoêdo, do corajoso Partido Novo. Esses são apenas alguns nomes, escolhidos propositalmente entre os vários segmentos do espectro político nacional. Com certeza há vários outros, talvez alguns até fora da caixa, gente que não milita na política nem no mundo das celebridades. Mas a gente não quer saber deles. Apenas preferimos deixar que os idiotas joguem o jogo por nós para que, depois, possamos lavar as mãos e dizer, cheios de uma vaidade intelectual tola, que não votamos no idiota que ganhou.
É fundamental que a gente entenda isto: o voto branco ou nulo só interessa aos idiotas. E, num país que vive uma crise moral sem precedentes, não deveria existir a opção da omissão. “Ah, mas se a maioria votar em branco ou nulo, a eleição perderá a legitimidade”, insistem alguns. Lamento informar, mas os idiotas não estão nem aí para a legitimidade do pleito. Eles estarão pouco se lixando se o candidato deles ganhar com 100%, 51% ou 2% dos votos totais. Eles só querem ganhar e mostrar que gritaram mais, ofenderam mais, subiram mais hashtags e criaram mais a sensação de que não havia outra alternativa além do candidato deles, de forma que mereceram mais mandar no País. Abandonar o campo de batalha ocultos pela fumaça da omissão não nos tornará nem mais nobres nem mais inteligentes — apenas reforçará as chances já altíssimas de sermos governados por um idiota.
“Meu voto não vai mudar nada”, dizem alguns amigos pretensamente esclarecidos. Nessas horas, eu fico estarrecido com a constatação de que pessoas tão articuladas são capazes, certas vezes, de ser quase tão idiotas quanto os idiotas que ganharão essa eleição tão importante para o nosso futuro.
Tudo isso me faz lembrar o diálogo que marcou o clímax de umas das melhores séries de todos os tempos: Breaking Bad. Para quem não se recorda, vale refrescar a memória (e não me venham reclamar de spoilers, porque spoilers cinco anos depois têm outro nome: preguiça). Pois bem. O querido e incorruptível policial “Uncle” Hank, cunhado do protagonista Walther White, está deitado no chão com a arma de um mafioso russo apontada para a sua cabeça. Lembraram? O russo parecia decidido a matar o policial que havia desbaratado sua rede de tráfico de armas e drogas. No entanto, Mr. White, também conhecido como Heisenberg, um pacato professor convertido em rei do crime, acreditava ter uma carta na manga. Mais do que uma carta, ele tinha 80 milhões de dólares enterrados em algum lugar do deserto. Com esse dinheiro todo, pensava ele, não seria difícil comprar a vida do cunhado. É um momento extraordinário de drama. Naquele instante, o sujeito que era bom e virou mau ao descobrir que tinha câncer e desejou acumular, ainda que pela via do crime, uma fortuna para deixar para a família, sofreu uma recaída de bondade. Ele estava disposto a abrir mão de todo o dinheiro que conquistou em troca da vida do cunhado policial, mesmo sabendo que, se sobrevivesse, o cunhado fatalmente o prenderia. White, então, oferece todo o dinheiro aos russos e implora pela vida do tio que seu filho tanto amava. E é então que chega a frase mais cruel da série, que demostra categoricamente que de nada adianta um homem ganhar o mundo se perde sua alma. “Uncle” Hank, consciente diante da própria morte, apenas diz para o cunhado: “Você é o cara mais brilhante que eu conheci em toda a vida, mas é estúpido demais para enxergar o óbvio: ele tomou sua decisão dez minutos atrás”. Bang! Uma bala estoura os miolos do policial, enquanto Walther White grita em um misto de desespero e loucura. Ainda veríamos mais dois episódios na série, mas todos sabemos que ela acabou naquela cena.
Fade to black — e voltamos à política nacional. Querida leitora, estimado leitor, não sejam como aquele sujeito absolutamente brilhante que não soube enxergar o óbvio. “Só os profetas enxergam o óbvio”, dizia Nelson Rodrigues, talvez um dos primeiros brasileiros a perceber os riscos da radicalização do discurso político no País, além de grande crítico da unanimidade burra e formulador da teoria da Revolução dos Idiotas. Nelson acreditava que, um dia, os idiotas perceberiam que são maioria, e isso seria o fim das pessoas razoáveis. Ele acertou em quase tudo, mas errou nessa. Os idiotas não são maioria. Eles apenas são mais atrevidos, gritam mais, brigam mais e estão dispostos a ir até o fim para provar que têm razão, mesmo sem ter. Que a gente não tenha medo deles no ano que vem. Que a gente perceba que 2018 não tem de ser o ano do debate entre dois idiotas e uma população obrigada a escolher o menos idiota entre ambos. Nós podemos e, mais do que isso, temos o dever de encontrar e apoiar e estimular e viabilizar e conduzir à vitória um candidato que se pereça mais com a gente e menos com as coisas que mais abominamos.