O fetiche da métrica

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Opinião

O fetiche da métrica

O mundo nunca foi tão mensurável. E agora?


4 de janeiro de 2024 - 15h42

A cada dois dias, geramos um volume de informações equivalente ao criado no início da civilização até 2003. O que mais impressiona na célebre afirmação do ex-CEO do Google, Eric Schmidt, é que ela foi dita em 2010. Antes de quase tudo que você tem no celular agora. Como todo profissional da área de dados de uma agência de publicidade, eu sou testemunha – e cúmplice – do volume de dados gerados diariamente, uma quantidade se não infinita, certamente incontável (aliás, quantas agências tinham uma área de Data em 2010?).

O Dicionário de Cambridge define a expressão information overload como: “uma situação em que você recebe muita informação de uma vez e não consegue pensar de forma nítida”. Para quem vive no planeta Terra em 2023, o que Cambridge chama de “situação” é aquele intervalo de tempo entre a segunda-feira e o domingo.

Diante de um manancial de dados, deve-se ter em mente que muitos deles simplesmente não são relevantes para o negócio. É preciso dar espaço para dados que de fato sejam importantes para o objetivo específico que foi traçado, aproveitando os números como oportunidades e não como justificativas. Há resultados para tudo que quisermos e isso tornou a publicidade mais dinâmica, efetiva – e exaustiva.

Há algo de messiânico na forma como as métricas são encaradas hoje. Como a palavra fetiche vem de feitiço, acho justo dizer que há uma fetichização em torno das métricas.

Imaginemos o exemplo de uma pessoa que quer muito provar seu ponto. Mesmo que o conjunto final das métricas a contradiga, ela pode utilizá-las para provar sua tese. Basta fazer uma “curadoria informacional” e jogar luz somente nos dados que favorecem seu argumento. É como aquela clássica propaganda de 1987 da Folha de S. Paulo, em que uma série de fatos sobre Hitler são elencados, pintando-o como um grande estadista – “diminuiu o desemprego, multiplicou o PIB”. Nenhuma fake news é citada. O problema é o que não foi contado pelo locutor, que finaliza: “é possível contar um monte de mentiras, dizendo só a verdade”.

Qual nome vem à nossa mente quando pensamos nas maiores empresas do mundo? Se eu tivesse que responder rápido, meu instinto imediatamente apontaria para as big techs: Amazon, Apple, Google, Meta, Tesla e por aí vai. Mas não é bem assim. No ranking da Fortune Global 500, Amazon e Apple ocupam as 4ª e 8ª posições respectivamente. Por que então pensamos automaticamente nelas? Para além do fato de ambas as empresas serem B2C – e, portanto, ultra presentes em nosso imaginário – há em comum dois elementos fundamentais: a capacidade que essas empresas têm de contar histórias e o fato que são organizações que usam dados como negócio e não somente dados para o negócio.

Ainda sobre a lista da Fortune, o Google (representada pela Alphabet) está em 17º, Meta em 81º e Tesla em 152º. Em pleno 2023, o Poderoso Chefão ainda é o petróleo, dono de cinco das 10 primeiras posições. E como dá orgulho do SUS ao ver que a 10ª maior empresa do mundo é uma corporação norte-americana de serviços médicos, incluindo seguro saúde.

A Constituição dos EUA possui sete artigos e 27 emendas. Já a brasileira tem 250 artigos e mais de 120 emendas. A diferença de tamanho é óbvia, mas o objetivo de ambas é basicamente o mesmo: estipular um conjunto de normas básicas para a organização governamental e os direitos e deveres dos cidadãos. Com publicidade é a mesma coisa. Ninguém cria campanhas para ter milhares de resultados. Existe um único ponto pétreo que conduz nosso trabalho. O objetivo final de uma marca não é ter o menor custo de impacto e sim o custo de impacto mais eficiente.

A publicidade precisa ser constantemente lembrada de usar os dados como potencializador da capacidade de entrega, e não somente como avaliador da campanha de mídia. Se o desafio das agências e departamentos de marketing é contar histórias, o Excel é no máximo um bom começo.

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