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Opinião

O futuro se impõe; o passado não se aguenta

Quando uma Jaguar tenta um rebranding tão drástico, é essencial reconhecer que sua identidade não se restringe a manuais de branding e pesquisas com consumidores


16 de dezembro de 2024 - 14h00

Se uma marca não enfrenta um sofrimento evidente no mercado — e essa marca não está completamente desprovida de relevância ou funcionalidade —, um reposicionamento radical pode dizer mais da percepção da marca sobre si mesma do que efetivamente alterar sua “realidade”. As aspas aqui são importantes: reposicionamento ou não, a Jaguar continua sendo Jaguar.

Na ânsia de se mostrar “future proof”, a marca revela uma compreensão individualista e reducionista sobre si mesma e sobre o mundo. Uma marca não é apenas a identidade que projeta, mas também o que emerge das relações que a definem — com o mercado, os consumidores, os detratores, sua história e legado.

O rebranding da Jaguar é carregado numa estética pretensamente ultramoderna, slogans naipe Apple e Nike, logo miguchè-chic e um elenco de jovens representando grupos sociais historicamente explorados pelos milionários proprietários de um Jaguar. A promessa de um renascimento para os novos tempos escancara uma indisfarçável crise narcísica. Isso não é necessariamente um problema, mas sim o caminho para se compreender o desconforto.

O vídeo da campanha rejeita o ordinário seguindo clichês de autenticidade. O resultado é vibrante, ousado e com gosto de reprise. Um “moldar-se para não ser moldada” manifestada na proposta de quebra de moldes. Esse paradoxo não é exclusivo da Jaguar. É um fenômeno cultural amplo no qual as marcas buscam desesperadamente a autenticidade seguindo tendências. A ansiedade que as marcas nutrem pelo futuro antes de entender o presente.

Quando uma marca como a Jaguar tenta um rebranding tão drástico, é essencial reconhecer que sua identidade não se restringe a manuais de branding e pesquisas com consumidores. É também o que as pessoas pensam e dizem após décadas de impacto cultural. A Jaguar não é apenas um símbolo de status a ser perseguido e materializado ou uma marca de tiozão héterotop. Há uma infinidade de relações que transcendem a própria marca e mesmo a categoria.

Os jovens retratados na nova campanha da marca são reconhecidos pela insatisfação com um mundo extremamente desigual e à beira de um colapso climático e escassez de recursos. Para eles, carros simbolizam o que nos trouxe até aqui. E a realidade da marca é composta por todas essas percepções. E não se muda essa percepção colocando esses jovens insatisfeitos como protagonistas.

O desafio de uma marca de carro não está em se mostrar moderna, mas em se mostrar consciente. Tem uma diferença nisso tudo. Esse choque de percepções torna o reposicionamento ainda mais desafiador: precisa ser genuíno, não performático.

Assim como no campo da psicologia, em que um diagnóstico mal colocado pode aprisionar mais do que libertar uma pessoa, um reposicionamento equivocado pode reprimir o potencial de uma marca. A Jaguar não está “doente”. Suas vendas podem ter caído, mas ela ainda carrega o peso de uma história rica e um mercado que reconhece seu valor. No entanto, a campanha parece desconectada dessa essência, tentando dialogar com um público que, na prática, está mais preocupada com o fim da escala 6×1.

Uma marca como a Jaguar deve aceitar seu papel como um símbolo cultural do século passado e, a partir disso, construir sua relevância no presente. Reinvenção não significa fuga de sua história, mas, sim, respeito às relações que a atravessam. A coragem não está em lançar um vídeo que remete a um editorial da Benetton para o TikTok, mas em assumir-se como parte de um legado que também carrega o contraditório.

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