O gap da publicidade brasileira comparada à americana
Ricardo Silvestre relata suas experiência de observação do mercado publicitário depois de temporada em NY
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Passar algumas semanas observando e estudando a publicidade estadunidense logo após participar da edição 2022 do SXSW me fez refletir sobre algumas questões de diversidade e representatividade no Brasil que ainda caminham a passos bem lentos quando o objetivo é ampliar os espaços e representatividade para os corpos pretos. Há um verdadeiro gap e as marcas ainda não entenderam que diversidade não é uma questão de prestação pública mensal. Ou seja, não basta somente dizer que tem, que faz e que apoia, quando nada disso é sincero. É preciso que todo o processo seja genuíno e entender que uma economia só gira quando há espaço para todos e, consequentemente, representação.
A forma natural como os corpos pretos estão estampados nas capas de revistas nos EUA, dando entrevistas nos programas de TV, figurando nas mídias OOH, aparecendo na Times Square e nos outdoors locais chega a parecer esquisita para quem não acompanha esta naturalidade toda no Brasil. Por aqui, o costume é sempre usar os corpos pretos como cota em peças publicitárias ou como personagens que estão usando produtos muito específicos voltados às classes C ou D, reforçando o estereótipo de que pessoas pretas não têm poder aquisitivo muito alto.
A disparidade é tão grande que foi possível ver fileiras enormes de pacotes de fraldas com crianças negras estampadas até mesmo ao entrar no supermercado. Já no Brasil, este fenômeno é muito recente e o número ainda é irrisório quando comparado aos comércios estadunidenses. E não somente as crianças: a população da terceira idade também aparece estampando lojas de grandes marcas na no país. No Brasil, não me lembro de uma campanha específica com e para este público.
Olhando para o recorte populacional, os EUA têm uma parcela muito pequena de população negra – pouco mais de 13% – quando comparada com o Brasil, que tem quase 60%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2022, o que representa o país com a maior população negra do mundo fora da África.
Há também muitos profissionais pretos apresentando jornais e programas importantes, comentando desde esportes de elite até os mais populares. Em contrapartida, no Brasil, é possível contar na palma da mão o número de apresentadores negros, assim como pessoas pretas em comerciais e atores e atrizes famosas.
O brasileiro costuma ter uma síndrome de querer ser como o norte-americano, mas isso não acontece quando o foco é diversidade. Quando pensamos na área da publicidade, nos EUA existem muitos profissionais pretos em agências criativas e de publicidade, o que, naturalmente, se traduz em comerciais e propagandas de qualquer produto – seja um refrigerante, bebida alcoólica, alimentos, seguro de vida e de saúde – com uma proporção significativa de pessoas pretas sendo protagonistas. Por outro lado, no Brasil, é possível notar que muitas campanhas costumam ser tocadas de forma assistencialista ou até mesmo negativa, o que não deveria ser o intuito.
Contudo, felizmente é possível dizer que há um movimento das marcas em transformar este cenário aqui no Brasil. Neste ano, um estudo da Elife e da Agência SA365 intitulado “Diversidade na Comunicação de Marcas em Redes Sociais” com os principais anunciantes do país mostrou que a representatividade preta chegou a 44% no ano passado, contra 38% em 2020. Este levantamento tem em conta 11 categorias de mercado, entre elas: financeiro, varejo, telecomunicações, higiene, beleza e farmacêuticas.
Mas, ainda sim, considerando que quase 60% da população brasileira se declara negra e que apenas 44% das publicações contaram com pessoas desse grupo em 2021, a pesquisa conclui que pessoas pretas e pardas ainda são subrepresentadas na comunicação quando comparadas à proporção na população geral.
Para mim, a impressão mais forte que fica é: existe uma naturalidade pela qual as pessoas pretas aparecem em todos os lugares em Nova York e nos EUA, enquanto no Brasil há sempre um grande incômodo com a representatividade e um esforço muito grande para que corpos pretos sejam genuinamente incluídos nos espaços. Quando será que sairemos do discurso e passaremos à prática aqui nestas bandas de cá? Quando será que seremos parecidos com os EUA no quesito diversidade?
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