O “gênio do e”
Em vez de procurar a bala de prata, é sempre melhor supor que múltiplos caminhos fazem mais sentido
Em vez de procurar a bala de prata, é sempre melhor supor que múltiplos caminhos fazem mais sentido
21 de setembro de 2020 - 13h41
Se você sabe alguma coisa sobre marketing, sabe que há uma enorme necessidade de atuação híbrida em nossa disciplina no momento. Estamos divididos por tantos pontos de vista contraditórios e combativos, muitos dos quais se mostrariam mais poderosos se combinados ao invés de se oporem.
A longa abordagem de construção da marca versus a rota curta do marketing de desempenho é apenas uma das muitas dicotomias centrais que atormentam o setor. Existem topo do funil e fundo do funil, que obscurecem o processo de tomada de decisão. Existe o antigo debate sobre métodos de pesquisa qualitativa versus quantitativa. Tivemos uma luta sobre formas de comunicação “digitais” e “tradicionais” — sigo perplexo quanto ao que esses termos realmente significam em 2020, visto que quase todas as formas de comunicação, do rádio ao OOH, agora
são, obviamente, digitais. Há um debate contínuo sobre a segmentação, onde ficamos paralisados entre a propensão em adotar uma abordagem personalizada e sua igual certeza empírica de que devemos fazer o oposto e adotar a comunicação de massa. E quanto à eterna tensão entre diferenciação de oferta ou produto e distinção relacionada a valores e propósito?
Tudo isso pode parecer ridiculamente simples para quem não trabalha com marketing. Você deve ouvir e entender o mercado antes de direcioná-lo e persuadi-lo. Você precisa de abordagens de curto e longo prazos. Você deve visar a todos e, em seguida, impactar grupos específicos para fechar o negócio. Você precisa examinar as partes superior e inferior do funil de vendas para descobrir onde focar. Você precisa se destacar e, em seguida, representar algo. E, idealmente, faça isso usando quantos canais de comunicação diferentes você puder pagar.
Marketing é um contrônimo, uma referência lexical pouco conhecida, que se refere a uma palavra ou frase que exibe dois significados opostos. Alugar é um contrônimo, por exemplo, porque, se eu disser “Estou alugando meu apartamento”, você não sabe se estou pagando para alguém ficar ou recebendo dinheiro de outra pessoa para não ficar. Fazemos parte deste grupo porque devemos primeiro compreender, ouvir e fazer um balanço. E então avançamos e direcionamos, comunicamos e, com sorte, mudamos. Um alimenta o outro. Portanto, no cerne do marketing, existe um pré-requisito híbrido.
Nada disso é ciência aeroespacial. Então, por que estamos batendo tanta cabeça no setor?
Primeiro, há a mídia social, que usa a palavra comunidade, mas, na realidade, é tudo menos isso. Para ter sucesso nas redes sociais, você deve mirar e atacar os outros e suas ideias. Tal ambiente recompensa uma abordagem oposta ao bom senso e equilíbrio e estimula e solidifica o embate binário constante. Isso contamina a atuação das marcas e mensagens. Segundo, há a cultura festiva de muito tempo dedicado a prêmios, acertos e cases de sucesso. Não é preciso ser muito instruído em estatística para saber que o processo de aprendizado do mundo real é extraído muito mais de um inventário enorme de erros e fracassos que de acertos. Essa liturgia científica é pouco aplicada à rotina dos nossos times amparados na liberdade da criatividade.
E, por último, há o efeito devastador do famoso orçamento base zero. Sim, óbvio que ele é muito maior que apenas “marketing”, sendo um modelo difundido pelo estado americano na década de 1970 e readaptado de forma rigorosa pelos fundos de private equitiy em suas aquisições. Seria infantil desdenhar da eficácia do seu efeito, mas, analisando mais de 300 aplicações deste modelo em companhias na última década, os resultados são polarizados, ótimos ou incrivelmente destruidores, acabando com o legado de marcas e reputações de forma irreversível. Arriscados e ousados como muitos fundos sedutores no mercado financeiro.
Portanto, em vez de procurar a bala de prata, é sempre melhor supor que múltiplos caminhos fazem mais sentido. As empresas de sucesso, geralmente, demonstram o “gênio do e”, o que lhes permite abraçar pontos de vista contrastantes, mas, simultaneamente, verdadeiros. Sim, dá muito mais trabalho, mas é minimamente mais justo com o acionista.
*Crédito da foto no topo: Ajwad Creative/iStock
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