O labirinto da comunicação e o Minotauro

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Opinião

O labirinto da comunicação e o Minotauro

Momento atual da sociedade demanda a busca de conexões significativas e de um equilíbrio entre nossos instintos primitivos e a racionalidade que nos guia


16 de agosto de 2024 - 6h00

Vivemos em uma era de complexidade sem precedentes, na qual a sociedade atual se transformou em um vasto e intrincado labirinto. Formado por técnicas e tecnologias que emergem sem cessar, pelas demandas por posicionamento das pessoas e das empresas frente às mudanças, e pelas liberdades sociais e de expressão que impactam a todos, este labirinto alimenta nossas inseguranças e medos, dando vida ao Minotauro que habita em nós. Ele é uma criatura resignada, representa nossas dúvidas quanto ao futuro, nossas ansiedades e a natureza indomada que, quando não controlada, pode nos desviar do caminho e nos aprisionar em ciclos de confusão e desespero.

A sociedade multifacetada, na qual estamos imersos, torna o labirinto ainda mais denso e desafiador. Não existe uma saída; é uma estrutura na qual devemos navegar indefinidamente. Nossa capacidade de percorrer este labirinto com sucesso depende de nossa habilidade de aceitar a profusão, de buscar conexões significativas e de encontrar um equilíbrio entre nossos instintos primitivos e a racionalidade que nos guia. Neste contexto, é essencial explorar como a literatura pode se transcender, assumindo um caráter filosófico, nos oferecendo insights valiosos sobre como navegar por este labirinto contemporâneo.

Sophia de Mello Breyner Andresen, em “Obra Poética III”¹, nos oferece uma visão poética de Creta, onde o Minotauro reina – ela atravessa a vaga “de olhos abertos, inteiramente acordada, sem drogas e sem filtro, só vinho bebido em frente da solenidade das coisas”. Essa clareza e consciência evocadas por Sophia são essenciais no mundo da comunicação. Assim como ela percorre o labirinto “sem jamais perder o fio de linho da palavra”, os profissionais da comunicação devem manter-se conectados à clareza e à integridade de suas mensagens.

Fernando Guimarães, em seu “Tratado de Harmonia”², destaca que “há qualquer coisa de imprevisível num labirinto, embora seja um caminho em que se procura representar a uniformidade, a simetria ou a identidade que parece existir em todas as diferentes partes que o constituem”. Quando o percorremos, percebemos que o espaço permite a organização da diversidade e multiplicidade das coisas, mas essa realidade é posta em questão ao confrontar-se com a ausência que permeia cada caminho. Perdemos as referências, reconhecendo que o labirinto não está em um espaço físico, mas em nós próprios. Cada caminho se identifica com a ausência do anterior e do próximo e, assim, caminhamos sem necessariamente avançar.

Dionysos, o deus da fertilidade, do vinho e das festas, representa uma postura de aceitação da vida em sua totalidade, com todas as suas contradições e complexidades. Ele nos ensina que a comunicação é um processo de transformação contínua, uma dança incessante entre o caos e a ordem. Como Sophia descreve: “Mas cresce como flor daqueles cujo ser sem cessar se busca e se perde se desune e se reúne / E esta é a dança do ser”³. Não há fim, apenas um fluxo constante de adaptação e crescimento. É uma dança entre perder-se e encontrar-se repetidamente.

Tal como Teseu encontrou orientação no fio de Ariadne para encontrar seu caminho e derrotar o Minotauro, nós também precisamos de um guia para navegar pelas intricadas passagens da modernidade: a palavra.

Assim como Teseu usou o fio de Ariadne para navegar pelo labirinto e derrotar o Minotauro, precisamos da palavra cuja força reside tanto no que é dito explicitamente quanto no que não é dito, transmitindo mensagens através do silêncio, das ações e das intenções. Afinal, não somos apenas navegadores; somos também construtores de novos caminhos dentro dele, somos criadores e consumidores de conteúdo, imersos em um fluxo constante de informações, influenciando e sendo influenciados.

A jornada pelo labirinto da comunicação moderna é interminável, mas com a clareza de Sophia, a dança de Dionysos e a sabedoria de Guimarães, podemos encontrar nosso caminho e prosperar em um mundo em constante evolução.

 


Notas:

  1. Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) foi uma das mais importantes poetisas portuguesas do século XX. Sua obra é marcada por uma profunda ligação com a natureza, a justiça e a clareza lírica. Recebeu inúmeros prêmios, incluindo o Prêmio Camões.
  2. Fernando Guimarães (1928-) é um poeta, ensaísta e tradutor português, conhecido por sua obra que mescla profundidade filosófica com uma linguagem lírica refinada. Sua poesia aborda temas como a identidade e a existência humana.
  3. Trecho do poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, presente em “Obra Poética III”, que exemplifica a dança contínua do ser humano entre a busca e a perda de si mesmo.
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