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Opinião

O marketing social que você não precisa ter medo de dar errado

Marketing de ativismo precisa fazer parte do DNA e do dia-a-dia das decisões da empresa ou é melhor não tentar se aproveitar da luta do outro para lucrar


5 de abril de 2018 - 15h20

Quem não se lembra da hashtag #somostodosmacacos? Após o jogador Neymar postá-la em suas redes sociais, em 2014, em resposta a uma série de atos de racismo cometidos por torcedores do futebol europeu contra jogadores brasileiros, rapidamente a mesma frase foi replicada por milhares de pessoas. Um movimento ativista de sucesso até uma marca de roupas lançar camisetas com os dizeres #somostodosmacacos. Na sequência uma chuva de críticas tomou lugar ao sucesso anterior da campanha, forçando a marca a suspender a venda dos produtos. A lição que fica é que ao se tratar de marketing de ativismo, ou ser inclusivo e ativista, isso precisa fazer parte do DNA e do dia-a-dia das decisões na sua empresa ou é melhor você não tentar se aproveitar da luta do outro para lucrar o seu negócio. O verdadeiro marketing social é o marketing de ativismo, ou seja empresas engajadas em mudar alguma situação ao seu redor. E não empresas tentando se apropriar de um movimento já iniciado por outros. Um caso de sucesso emblemático no Brasil é o da rede Magazine Luiza que após ter uma funcionária assassinada pelo marido criou um disque denúncia dentro da companhia para casos de agressão familiar. A empresa, que emprega em torno de 10 mil mulheres, garante às vítimas apoio jurídico e psicológico e auxílio para informar o crime às autoridades policiais. O objetivo de uma campanha de marketing de ativismo deve ser apoiar o movimento. Se suas vendas aumentarem porque você está fazendo a coisa certa, mais pontos para você.

Quando se fala em marketing de ativismo podemos pensar em dois grupos de empresas. Um deles é de negócios que já nasceram com DNA ativista como, por exemplo, a marca norte-americana de sorvetes Ben&Jerry’s , conhecida por defender nas últimas quatro décadas diversas causas ao redor do mundo, segundo executivos da empresa sob o lema: “Preferimos ser muito amados por poucos do que inofensivos para todos”. A fama positiva da Ben&Jerry’s vem de um processo natural presente no DNA da marca, que nasceu em 1978 da cabeça de dois hippies (Ben Cohen e Jerry Greenfield) que desde o início da empresa já olhavam para questões humanitárias. Um exemplo recente de luta global deflagrada pela Ben&Jerry’s foi a campanha “Save Our Swirled”, onde a empresa chamou a atenção das pessoas para falar sobre energias limpas criando um novo sabor de sorvete. Engajados pela Ben&Jerry’s, cerca de 350 mil consumidores assinaram uma petição que foi entregue para líderes mundiais reunidos em Conferência da ONU. Note que o movimento aqui é diferente do marketing social passivo, onde se utiliza temas e hashtags em alta para promover seus produtos. O marketing de ativismo é, como o próprio nome diz, ativo. Ele usa o poder e recursos de uma empresa para de fato tentar mudar uma legislação, situação ou injustiça.  Os executivos da marca afirmam que campanhas como essas custam centenas de milhões de dólares para a Ben&Jerry’s mas também não escondem que elas geram fãs e resultados financeiros relevantes.

O outro grupo de empresas que está dentro do marketing de ativismo é de marcas tradicionais que não necessariamente nasceram com o DNA ativista, mas percebem a importância do engajamento social e responsabilidade civil como empresa. A marca Doritos, por exemplo, fez no ano passado uma campanha para lançar o Doritos Rainbow, uma linha especial de salgadinhos que trazia em sua embalagem as cores da causa LGBT e uma flag do movimento. Para participar, bastava o participante acessar o site da campanha e comprar um Doritos Rainbow ou doar um valor qualquer. Todo o recurso captado foi repassado pela Doritos para a Casa 1 – ONG que acolhe jovens da comunidade LGBT em vulnerabilidade social. A ação foi um verdadeiro sucesso. Cerca de cinco mil pessoas aderiram à ação, que gerou mais de R$ 100 mil em doações. A marca não comercializou o Doritos Rainbow em nenhum ponto de venda, ou seja, as cinco mil unidades fabricadas do produto foram dedicadas para atender apenas a demanda da ação e serem distribuídas em festivais do movimento LGBT. E as pessoas se engajaram para tornar esta campanha um sucesso.

Outra ação que vale destaque foi da marca belga de chocolates Godiva, ao questionar a sociedade no Japão sobre a prática do giri-choko, uma tradição que ocorre durante o Dia dos Namorados onde mulheres presenteiam colegas de trabalho do sexo masculino como agradecimento por seu apoio e cooperação ao longo do ano. O presidente da empresa no Japão, por meio de anuncio publicitário veiculado no jornal financeiro Nikkei Shimbun, sugeriu que a prática do giri-choko é antiquada e deve ser aposentada. De acordo com o comunicado da marca, a ação “força” as mulheres a darem chocolates de presente para seus colegas de trabalho, não por meio de um sentimento verdadeiro, mas por uma obrigação social. A campanha estimula que as pessoas falem de seus sentimentos reais, que presenteiem alguém de coração, não por obrigação (tradução: giri). Interessante salientar que a Godiva, por ser uma marca premium, não tem no dia do giri-choko uma representatividade em suas vendas, pois as mulheres procuram comprar marcas mais baratas para cumprir a tradição. Sendo assim, se opondo à essa data, a marca não necessariamente perderá dinheiro.

O evento eBrand, que acontece uma vez por ano na Holanda, teve em sua mais recente edição o marketing de ativismo ou o marketing social ativo como tema principal, discutido na ocasião não apenas como tendência mas como algo necessário para sobrevivência das marcas em 2018. Foi salientado que este não é um marketing que pode ser idealizado apenas dentro das agências de marketing ou publicidade, mas que acontece nas ruas, em parceria com os ativistas e mobilizadores. Escutando-os, dando-lhes voz, aumentando seu alcance. As marcas e agências que já atentaram para esta realidade estão fazendo o marketing social como deve ser feito: com o total apoio da comunidade e seus líderes sociais. As outras ainda estão sambando ou se apoderando erroneamente de causas sem “autorização social”. E esse descuido de não perceber que até mesmo causas ou movimentos amplamente divulgados nas redes têm seus “donos” ou “protetores” comunitários, acaba sendo multiplicado na internet. A boa notícia é que toda essa repercussão negativa é muito fácil de ser evitada: abra as portas. Os movimentos sociais querem tanto quanto você que as vozes deles sejam ouvidas. Você está disposto a deixar-lhes falar?

 

*Créditos da imagem no topo: ISpiyaphong/iStock

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