O paradoxo da mídia
Estudo do Reuters Institute aponta que os próximos doze meses serão cruciais para moldar o futuro das empresas de notícias
Estudo do Reuters Institute aponta que os próximos doze meses serão cruciais para moldar o futuro das empresas de notícias
Veiculada entre 2012 e 2014, a série original da HBO The Newsroom retrata o cotidiano da redação de um programa jornalístico de TV fictício, em ação durante a cobertura de fatos que realmente aconteceram, nos Estados Unidos do começo da década. Com anos de atraso, tenho acompanhado a saga dos repórteres e produtores do News Night sob a liderança do âncora Will McAvoy, republicano moderado nascido em uma cidade minúscula do estado de Nebraska, que, segundo a autodescrição do personagem interpretado por Jeff Daniels, conheceu o primeiro democrata em sua vida quando foi para a faculdade.
Com a atemporalidade que marca grandes produções, a obra aproveita o processo de polarização política nos EUA, após a eleição de Barack Obama à presidência, para abordar temas de grande impacto sobre a sociedade e dilemas do jornalismo como ofício e negócio, que seguem nos dias de hoje. Dentre esses, o papel da imprensa e sua busca por relevância em um ambiente no qual não se tem mais a primazia nem da atenção do público, nem da distribuição do conteúdo — e onde o inapelável direito à expressão é usado como pretexto para a promoção de campanhas de desinformação, agora conhecidas por fake news, um eufemismo para mentira que passou a ser adotado de forma corriqueira, minimizando a natureza muitas vezes criminosa de tal prática.
Divulgada na semana passada, a edição 2020 do Digital News Report, do Reuters Institute, revela um cenário em que tais desafios não apenas perduram como ganharam musculatura.
Dentre os 40 países nos quais foram conduzidas entrevistas, em meia dúzia o percentual de pessoas afirmando que “confiam na maioria das notícias, na maioria das vezes”, ficou acima de 50%. O Brasil está entre esses, com índice de 51%. É uma situação ambígua, indicando que parte significativa do público coloca profissionais e empresas reconhecidas pelo jornalismo sério que praticam no mesmo balaio que os agentes a difundir calúnias e discursos de ódio.
A boa notícia é que nos seis países (Alemanha, Argentina, Coreia do Sul, Espanha, Estados Unidos e Reino Unido) em que parte das entrevistas foi replicada em abril (nos demais, o campo foi realizado em janeiro e fevereiro, antes da pandemia ser declarada oficialmente), já sob a influência do alcance global do coronavírus e suas consequências, o índice de credibilidade das empresas jornalísticas como fonte de notícias relativas à Covid-19 chegou a 59%.
É mais do que o dobro do índice de confiança em notícias recebidas por meio de aplicativos de mensagens e redes sociais (que não produzem conteúdo e servem como difusores de informação tanto de fontes conhecidas quanto anônimas e sem compromisso com os fatos). Ainda nesses seis países, houve um aumento no uso da TV como fonte de informação durante a pandemia, especialmente entre os entrevistados com menos de 35 anos, que aumentaram o consumo do meio em 25%. Manter essa atenção será desafiador para as emissoras, mas também uma oportunidade única de aprofundar o relacionamento com tal público, tão acostumado a atualizar-se pela internet.
Se forem bem-sucedidas, darão um passo importante para corrigir outro fenômeno registrado ao longo da pandemia: o paradoxo entre o aumento de audiência e a queda nas receitas, uma vez que muitos anunciantes assumiram comportamentos mais cautelosos em relação ao investimento em mídia.
Essa é uma jornada compartilhada pelos veículos jornalísticos, como um todo, como bem aponta o estudo do Reuters Institute, que, dentre suas conclusões, projeta que os próximos doze meses serão cruciais para moldar o futuro das empresas de notícias — com um viés otimista, avaliando que, apesar do horizonte ainda anuviado, “muitas dessas companhias entram nesse período mais seguras do que nunca quanto ao valor de seus produtos”.
**Crédito da imagem no topo: Eugenesergeev/iStock
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