O pretérito perfeito
Qualquer inteligência artificial sabe que essa coisa de as pessoas buscarem as pessoas vem de longe, da sobrevivência nos tempos das cavernas, quando só era possível sobreviver em grupo
Qualquer inteligência artificial sabe que essa coisa de as pessoas buscarem as pessoas vem de longe, da sobrevivência nos tempos das cavernas, quando só era possível sobreviver em grupo
Na era dos dados, vi um dado impressionante no site americano Eventbrite: 74% dos jovens millennials preferem ter boas experiências em vez de ter coisas. Em outras palavras, cada vez mais a gente deixa de querer ter e passa a querer simplesmente usar. O Uber, o patinete, a bicicleta e até o guarda-chuva, que hoje já podem ser compartilhados, parecem concordar com esse número.
Outro dado que me chamou atenção foi o de que, globalmente, 61% das pessoas não querem estar conectadas a nenhum aparelho eletrônico em seu tempo livre. Isso inclui pessoas que nem sabem como era a vida sem computador e também as saudosistas — aquelas que amaram cada invenção, mas já estão querendo o divórcio.
Com apenas esses dois dados já dá para ver que a tecnologia mudou muita coisa, mas não mudou a necessidade que as pessoas têm de se conectar com outras pessoas. E isso explica a volta dos que não foram mesmo contrariando os futurólogos do passado. Os livros, por exemplo: o número de livros de papel, aqueles que iam acabar, voltou a crescer nos Estados Unidos. E aqui no Brasil, a julgar pela campanha de dar livros no Natal adotada por muitos, quem sabe não volta a crescer também.
Outra prova dessa busca por uma conexão que não seja via WiFi é que o projeto “Cidade do Futuro”, planejado por uma Alphabet company para o Canadá, é baseado no passado. Entre outras coisas, os carros passearão com velocidade de carroça, garantindo a segurança das crianças, que voltarão a brincar nas ruas.
A novíssima-velha-cidade ainda não está pronta, mas não é preciso muitos dados para saber que o maior desejo das pessoas nas megacidades é viver perto da escola e do trabalho, de preferência a uma distância que possa ser feita a pé de quase tudo. Ou seja, as pessoas querem morar em sua pequena cidade, ter seu small world, onde conhecem a vizinhança, que conhece elas.
Então, de repente, até gigantes como a Apple se veem incentivando as pessoas a usar o recurso que mostra quanto tempo você passa no iPhone e iPad para que não fique todo o tempo no celular. E startups inventam apps para te ajudar também. O Forest app é um dos mais legais: você começa a plantar uma árvore que vai crescer em um tempo escolhido de cinco a 120 minutos para ficar longe do celular. Se você usar o celular antes do tempo previsto, a árvore morre; mas, se completar o tempo, o app faz a doação de uma árvore real.
Como ele, o Menthal, o Moment e o Freedom são mais alguns que ajudam você a se desconectar do mundo virtual para fazer coisas no mundo real. Não por acaso a tecnologia quer ser cada vez mais invisível ou, se der, mais humana. A Siri, o Watson, a Alexa e até a brasileira Bia estão querendo se enturmar porque qualquer inteligência artificial sabe que essa coisa de as pessoas buscarem as pessoas vem de longe. Vem da sobrevivência nos tempos das cavernas, quando só era possível sobreviver em grupo. Está no nosso gene, mas como eles aprendem rápido, quem sabe, já, já estará no deles.
Para completar esse artigo sobre a tecnologia cada vez mais humana, conto que outro dia ouvi o Pedro Doria na CBN falando que os carros autônomos do Google estão entrando em operação nos Estados Unidos. E que embora os carros já estejam super avançados e não precisem de motorista, a frota vai contar com “chaperones”, pessoas que ficam no lugar do motorista mesmo sem poder assumir o controle do carro. Por que estão ali? Porque, para confiar, o ser humano quer ter certeza de que tem um outro ser humano na mesma situação que ele. Alguém me lembrou que provavelmente o ascensorista existia pela mesma razão emocional. Faz sentido.
*Crédito da imagem no topo: Negative Space/Pexels
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