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Opinião

O que a mídia poderia aprender com a biologia

Elementos tradicionais de diferenciação entre meios não podem ser aplicados em um contexto em que o momento e a forma do encontro do consumidor com o conteúdo definem a mídia


13 de maio de 2016 - 13h19

Convergencia-Midia-blog.jpgAlbert Einstein disse certa vez que não podemos resolver problemas utilizando o mesmo tipo de pensamento que nos levou a criá-los. Os problemas decorrentes da rápida transformação do mundo da mídia são, em boa parte, produtos da nossa insistência em pensar conforme as convenções que tão bem nos serviram nas últimas décadas. O modelo mental vertical e linear que nos ajudou a entender e trabalhar nesse universo já não consegue ser efetivo para a compreensão de suas novas dinâmicas.
Todo modelo é uma forma de simplificação. Sua efetividade depende, principalmente, do quanto essa simplificação é capaz de abranger os elementos relevantes do cenário considerado. O núcleo do modelo que vínhamos utilizando até aqui era o meio de comunicação, representado por sua plataforma de distribuição de conteúdo. Assim, definíamos o mundo da mídia como um conjunto de meios (TV, rádio, jornal, revista, cinema, outdoor) caracterizados a partir da forma pela qual transmitiam seu conteúdo para o consumidor. A plataforma de distribuição também estabelecia limites para o formato do conteúdo e, quase sempre, a forma de acesso aos mesmos.

De acordo com o modelo com o qual estávamos acostumados, televisão e jornal são mídias significativamente diferentes na forma, no conteúdo e no propósito. Essa visão simplificada nos serviu durante muitos anos e as estruturas e modelos de negócio vigentes ainda estão bastante alinhadas com ela. Entretanto, em termos práticos, hoje nada impede uma marca de mídia de gerar e transmitir conteúdos produzidos em qualquer formato meio de múltiplas plataformas.

Quando um jornal — daqueles que, no passado, eram lidos apenas no papel — grava uma entrevista em vídeo com um político importante e a disponibiliza em seu site, que é acessado via smartphone por alguém que chegou a ele por meio do compartilhamento de um amigo em uma rede social, podemos continuar chamando isso de jornal? Essa definição simplificadora e limitadora ainda seria útil para entender e trabalhar com o universo da mídia? Provavelmente, não. Se o consumidor pode acessar conteúdos produzidos por diferentes marcas de mídia em seu smartphone, sendo que as informações percorreram o trecho final de sua caminhada até ele pela mesma plataforma, os elementos tradicionais de diferenciação entre as mídias simplesmente não podem mais ser aplicados a esse encontro. Hoje é perfeitamente possível que uma pessoa que jamais tenha comprado um jornal tradicional na vida acesse informações geradas por marcas ligadas a essa mídia por meio de um canal de vídeos ou de uma rede social. Isso nos leva a pensar que, nesse novo contexto, o momento e a forma do encontro do consumidor com o conteúdo são os elementos que definem a mídia.

Poderíamos propor a seguinte afirmação: “A mídia é definida quando o consumidor entra em contato com um conteúdo que foi transmitido por uma entidade, distribuído por uma determinada plataforma e acessado em um dispositivo específico, num determinado momento de sua jornada”. Temos aí os cinco elementos que caracterizam a mídia nesses novos tempos: o conteúdo, a entidade transmissora, a plataforma, o dispositivo de acesso e o momento (ou contexto) do encontro. A hierarquia de relevância desses cinco elementos pode variar, mas tudo indica que o contexto do encontro deveria estar sempre no topo.

O novo cenário nos convida a considerar essas variáveis quando nos dispusermos a avaliar o desempenho da mídia. É uma abordagem que nos permite entender por que a televisão “convencional” seguirá liderando o espaço midiático, mesmo em meio às grandes transformações: marcas de mídia conhecidas produzindo e oferecendo conteúdos populares em formato de vídeo, por meio de uma plataforma de alta disponibilidade e baixo custo, acessível predominantemente por um dispositivo onipresente, em um contexto de conforto e disponibilidade para capturar a atenção do consumidor. Se associamos isso a um modelo de negócio simples e conhecido, economicamente vantajoso para todas as partes e de eficiência comprovada, seu sucesso não deve surpreender.

O sociólogo Marshall McLuhan afirmava que cada meio de difusão tem as suas características próprias e, consequentemente, gera efeitos específicos no processo de comunicação. Foi a partir desse pensamento que surgiu, em 1967, a famosa expressão: “O meio é a mensagem”. É importante ter em mente que esse conceito permanece válido. O que mudou é o fato de que os meios de difusão deixaram de ser definidos pelas características do processo de transmissão do conteúdo. Quando McLuhan formulou sua teoria, o processo de transmissão tinha grande influência sobre o contexto do encontro do consumidor com a mensagem. Hoje, nem tanto.

Essa proposta alternativa de entendermos a mídia a partir do contexto do encontro do consumidor com o conteúdo nos leva a outras conclusões importantes. Antes, cada marca de mídia era responsável por praticamente todo o caminho vertical percorrido entre a produção do conteúdo e o acesso por parte do consumidor. Agora, esse caminho pode incorporar outros agentes não controlados pela marca de mídia, como os provedores de infraestrutura de telefonia e internet, os desenvolvedores de aplicativos, as redes sociais e os fabricantes de dispositivos de acesso. Os diversos agentes dessa rede de comunicação multimídia e multiplataforma coexistem numa forte relação de interdependência. É o que podemos chamar de protocooperação: um conceito emprestado da biologia que define relações de mutualismo facultativo onde duas ou mais espécies são beneficiadas. Embora sejam capazes de sobreviver de forma independente, essas espécies são mais eficientes cooperando entre si. O grande desafio da indústria da comunicação é rever seus modelos de negócio, transformando modelos competitivos em protocooperativos.

Vivemos um momento de transição onde, apesar das intensas transformações, ainda predominam as estruturas tradicionais. Como sugeriu Einstein, é preciso mudar a forma de pensar para percorrer esse caminho com sucesso e permitir que os problemas se transformem em oportunidades.

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