O que a publicidade pode aprender com o jornalismo
Apesar da histórica relação conflituosa entre as duas áreas, há muito mais coisas em comum do que podemos imaginar quando olhamos para o passado recente do jornalismo e o futuro da publicidade
O que a publicidade pode aprender com o jornalismo
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Mesmo muito próximos, jornalismo e publicidade sempre tiveram uma relação de conflito. A convivência era tensa. Havia, por exemplo, redações nas quais a circulação de profissionais do departamento comercial era vetada de forma veemente. E, mesmo com todas as desavenças, a publicidade ajudou a sustentar o modelo de negócios do jornalismo ao longo do tempo.
Veio, então, a revolução digital e deixou as coisas bem mais complexas, mexendo com os alicerces que asseguravam a manutenção dos negócios do jornalismo. Qualquer pessoa com conexão passou a ser uma mídia em potencial. O custo fixo elevado das empresas entra em confronto direto com um custo marginal desprezível — um bom equipamento e uma conexão rápida já bastam para qualquer pessoa se tornar um veículo.
Desde então, o jornalismo vem enfrentando grandes dificuldades para se manter vivo. Os gigantes e tradicionais veículos viram suas receitas despencarem e seus endividamentos crescerem sem encontrar uma alternativa de modelo de negócios que permita ao menos estancar a sangria.
Na outra mão, a publicidade também anda bem diferente do que foi nas últimas três décadas. A metodologia de planejamento, de definir onde e quanto investir, sofreu impactos em várias modalidades. Multiplicidade de meios, geração de canais de retorno dando voz à audiência, pessoas comuns com status de formadores de opinião, diversidade de formatos e alcance, entre tantas outras coisas. Apesar de ainda movimentar bilhões de dólares, as formas estabelecidas de publicidade perderam efeito nas audiências.
No fim, ao olharmos para o que aconteceu com o jornalismo, é bem possível estabelecer um paralelo com o mercado de publicidade. É tudo muito mais parecido do que poderíamos pensar alguns anos atrás. Podemos antecipar os movimentos que, muito provavelmente, vão se repetir no mercado publicitário.
O segmento das agências de publicidade — e muitos já vêm alertando — vai se transfigurar. O filme que vimos rodar para os veículos de imprensa pode se repetir para as agências de publicidade. E podemos assistir isto acontecer em alguns atos.
Ato 1 – O fim de um modelo de negócio
O digital fez ruir os pilares de sustentabilidade do negócio nos veículos de comunicação. A veiculação de publicidade já não é suficiente para suportar a operação. E está fazendo o mesmo com as agências de publicidade. As gordas verbas da publicidade tradicional migram rapidamente para o digital, mais difícil de produzir e acompanhar. Soma-se, ainda, a necessidade de se medir cada real investido. Além disso, só crescem questionamentos e pressão por outras metodologias de remuneração. O fee mensal, a Bônus por Veiculação (BV), as comissões, tudo hoje passa por uma revisão na relação entre empresas e agências.
Ato 2 – Inteligência: dados no comando
“Jornal tenta vender a notícia de ontem”. No fim, o que o público quer consumir de informação? Isso ainda faz os grandes veículos de imprensa sofrerem diariamente, causando náuseas naqueles que estruturam a informação e definem pauta. Nas agências, as áreas de pesquisa tentam estabelecer os padrões e critérios de análise de dados, porque o volume é gigantesco e cada vez mais complexo. Vão sobreviver aquelas que conseguirem desenvolver projetos que criem valor (na prática, fazer seus clientes venderem mais e melhor).
Ato 3 – O lugar ideal ao sol
Ficou difícil, para os veículos de imprensa, estabelecer um caminho claro e objetivo da produção de informação a partir do conhecimento do público. A binaridade do público (a cobrança por se estar de um lado ou de outro) provocada por algoritmos que geram bolhas de informação, o reforço de uma identidade política e ideológica estão mais fortes do que nunca.
As agências de publicidade também enfrentam dificuldade de posicionamento. Não político, mas mercadológico. Ao verem as grandes consultorias de negócios avançarem sobre as verbas de publicidade, estão tentando encontrar um lugar ao sol e mostrar valor aos clientes. E a disputa é grande porque as consultorias de negócio também foram às compras de agências de publicidade e marketing digital.
Ato 4 – Novas formas de aprender e pensar
Para se produzir conteúdo de qualidade em veículos de imprensa hoje, o perfil dos profissionais é muito diferente do que foi no passado. O famoso “jornalistão” está sendo forçado a entender de cruzamento de dados, infografia, programação de linguagens tecnológicas, business intelligence, arquitetura da informação, SEO (Search Engine Optimization), entre muitas outras coisas.
Nas agências de publicidade, vemos os times de estatísticos, antropólogos, sociólogos. Tudo muito centrado em compreender estrutura de dados para poder extrair insights e definir com mais precisão e riqueza o comportamento das audiências. Times de planejamento e criação também precisam ampliar suas capacidades diante destes novos cenários com infinitas possibilidades de análise e interpretação de dados e novas tecnologias. É uma espécie de alfabetização algorítmica.
Ato 5 – Estrutura: disposições físicas enxutas
Não precisamos ir muito a fundo para entender que a estrutura dos grandes veículos de imprensa se deterioraram nos últimos anos. Na busca por redução de custos vimos equipes serem dizimadas, mudanças de prédios para ambientes menores, unificação e amontoado de pessoas, utilizações de mesmo ponto de trabalho para vários turnos de equipes.
As agências também serão forçadas a rever suas estruturas suntuosas e aprender a trabalhar em rede. A “plugar” conexões e competências relevantes no momento certo para projetos pontuais.
Ato 6 – Big ideas ou big business?
Uma grande reportagem exigia bastante esforço. Meses de investigação, preparação, organização, checagem. O jornalismo investigativo foi relegado a novos e independentes veículos ainda sem um futuro muito bem definido.
No caso das agências, são cada vez mais raras as big ideas, as grandes ideias que sustentam uma campanha de sucesso. E, ainda que já existam modelos que permitem medir a interferência da criatividade em resultados financeiros, comprovar a eficácia ainda é uma grande discussão no mercado. O que se busca hoje é a criatividade aplicada a uma realidade e embasada em dados que mostram o potencial de ganhos e eficácia da iniciativa.
Ato 7 – A tal da experiência
Acompanhar um veículo da grande imprensa, especialmente do impresso, tinha lá sua sedução. Momento de leitura em um café da manhã. Dedos sujos. Consumir informação da grande mídia era algo vendido como “experiência”. No digital, os veículos passaram a investir em novos formatos para gerar novas experiências.
E é neste sentido que as agências de comunicação vão ter de pensar e desenvolver seus projetos, ações e soluções para os clientes. Não se trata mais do universo do achismo, do “isso é bacana”, “isso é cool”. É o fim da entrega a partir da perspectiva da marca. Tem-se que identificar o que de fato é relevante para o usuário. E somente dados vão ajudar a comprovar e iluminar quais são as reais intenções e vontades do usuário.
O “ato” é uma expressão que vem do universo da ópera e do teatro. O problema é que tudo isso está longe de ser uma encenação. Os exemplos estão postos O antes charmoso mercado de publicidade tem tudo para traçar as mesmas linhas tortas pelas quais o jornalismo passou.
A história recente nos conta com bastante clareza. O digital está forçando os veículos de imprensa a encontrar novos modelos, processos, rumos. E já está produzindo o mesmo efeito nas agências de publicidade e comunicação. É só prestar atenção nos sinais e tentar aprender um pouco com eles. E tudo está acontecendo muito rápido.
Nenhum destes atos é muito simples de se resolver. Se fosse, alguém já estaria ganhando muito dinheiro com isso. Os atores precisam aprender a lidar com os improvisos. São novos e complexos roteiros, mas que precisam ser apresentados ao grande público.
*Crédito da foto no topo: Vedanti/Pexels
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