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Opinião

O que há em comum entre as pesquisas nos EUA e a sua empresa

Uma derrota de Hillary era um cenário provável, mas perceber isso pedia a consciência de que pesquisas são simulações incapazes de hospedar toda a verdade


9 de novembro de 2016 - 15h08

pesquisas EUANeste momento, o mundo está sem respostas. Eu particularmente adoro momentos assim. Quando achamos que temos as respostas, paramos de questionar e, quase sempre, paramos de ouvir. Provavelmente, um dos motivos pelos quais a eleição de Trump pareceu surpreendente para muitos especialistas.

Em respeito à sua natureza complexa, sugiro olhar para as eleições americanas buscando entender suas diferentes dimensões ou camadas. Podíamos fazer isso por um período infinito já que as camadas, além de existirem isoladamente, criam novas camadas quando entram em contato uma com a outra.

Na primeira camada, a vida do americano médio, suas perdas, seus medos, sua insegurança em relação ao presente e ao futuro. Tente não pensar apenas na América de Obama. Pense nos assassinatos nas escolas, no terrorismo, no desemprego, na falência do desejado estilo de vida americano.

Estamos tratando de uma discussão que não é exclusiva da pesquisa eleitoral. Não é de hoje que o modo de produzir, analisar e utilizar informações relacionadas a comportamento está em xeque

Em uma segunda camada, Hilary e sua dificuldade com as emoções, sua famosa capacidade de se colocar à parte dos acontecimentos ou, no mínimo, de existir apesar deles. Uma qualidade que, por outro lado, faz com que ela se coloque como alguém capaz de superar a pressão. Hillary é o conceito de inteligência emocional em prática. Assisti todos os debates e me surpreendi sempre que as pesquisas diziam que ela havia ganho. No primeiro, a resposta de Hillary à pergunta sobre racismo foi protocolar. Hillary não mostra raiva, nem inconformismo, nem deixa clara sua razão de existir. Por esse motivo, jamais pareceu capaz de mover o eleitor.

Na terceira camada, Trump e sua visceralidade, sua revolta, seu inconformismo. Trump foi cruel, politicamente incorreto e usou a si mesmo – um homem bem sucedido – para legitimar o egoísmo como solução. Hillary falou do mundo. Trump falou do americano e fez parecer normal a ideia de que chegou a hora de cuidar da América ou a América não vai ter mais como cuidar de ninguém. Uma mensagem, repetida à exaustão.

Pode parecer estranho falar disso aqui, agora, principalmente com tanta gente provavelmente mais credenciada que eu para falar de eleições, mesmo esse tendo sido meu foco de estudo e de trabalho durante todas as eleições brasileiras das quais participei de 1986 a 2007. Pode ser. Mas, seja como for, estamos tratando de uma discussão que não é exclusiva da pesquisa eleitoral. Não é de hoje que o modo de produzir, analisar e utilizar informações relacionadas a comportamento está em xeque. Seja o que for que você pense que aconteceu nas pesquisas da Colômbia ou nas pesquisas presidenciais americanas, está acontecendo na sua empresa.

Neste momento, em algum lugar no Ibope, no Google, no Facebook, na Ipsos, na Millward Brown, na sua empresa ou em qualquer outro lugar onde os números são olhados com respeito, alguma coisa pode estar sendo perdida pelo caminho ou pela forma que os dados estão sendo processados, ou pela ausência de série histórica, ou pela falta de contextualização, ou por simplesmente estarmos pedindo que os números resolvam problemas que deveriam estar sendo resolvidos em outro lugar.

Vamos a alguns exemplos.

Como no plebiscito da Colômbia, o voto envergonhado não foi considerado como capaz de alterar o resultado previsto. Votar em Trump não pegava bem socialmente dependendo do lugar onde você estivesse sentado, por isso muitas pessoas mentiram (inclusive para si mesmas).

A presença nas urnas é um problema real. Não só nos Estados Unidos, como bem temos visto por aqui. Pessoas se movem por causas

Trump apresentou uma causa pro-América, isolacionista, limitadora, cruel e radical o suficiente para ser fácil de entender. Uma proposta com esses elementos não pode ser avaliada em questionários quantitativos nem em grupos de discussão – sob o risco de gerar uma falsa verdade, daquelas capazes de fazer com que especialistas experientes acreditem estar em frente a algo que não terá adoção.

A presença nas urnas é um problema real. Não só nos Estados Unidos, como bem temos visto por aqui. Pessoas se movem por causas. Um ponto a favor de Trump, que defendia uma causa fácil de ser entendida tanto por quem se predispunha a adotá-la quanto por quem se mantinha firme em recusá-la. O eleitor de Trump todo o tempo pareceu disposto a lutar por sua causa, ele certamente estaria nas urnas.

Hillary parecia ter várias causas, o que torna o processo de pesquisa mais difícil porque sempre vai existir alguém concordando com alguma coisa, o que pode levar especialistas experientes a ter dificuldade em decidir do que abrir mão.

Uma derrota de Hillary era um cenário provável, mas perceber isso pedia a consciência de que pesquisas são simulações incapazes de hospedar toda a verdade. Pesquisas são retratos de ontem, são afetadas por fatores externos e apresentam viés. Nada disso é estranho, tudo isso é pesquisa e por isso precisam de análise, questionamento, contexto. Mesmo assim, as probabilidades sempre vão incluir que as coisas não aconteçam como esperamos.

Não entendo essa conversa que coloca intuição em um lugar oposto a pesquisa. Intuição é consciência de conhecimento e aprendizado acumulado. Quem não lê, não estuda, não observa, não experimenta, não questiona, não intui.

Trump está eleito. Não existe uma leitura sobre como chegamos até aqui que vai mudar isso, mas uma boa análise, sem medo de descobrir que esse momento podia ter sido evitado, pode nos ajudar a rever a forma como fazemos perguntas, como trabalhamos os dados, como entendemos o outro, como geramos conhecimento, como pedimos e esperamos que os números sejam responsáveis por decisões que, na verdade, são nossas.

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