O que aprendi sobre negócios desfilando na Vai-Vai
Organização de uma escola de samba dá inveja a qualquer CEO que batalha para manter uma empresa
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Em 2015 tive uma das experiências mais marcantes da minha vida: desfilar na Vai-Vai, tradicional escola de samba do bairro paulistano do Bixiga. O enredo daquele ano foi uma emocionante homenagem à cantora Elis Regina – “Simplesmente Elis – A Fábula de Uma Voz na Transversal do Tempo”.
Este carnaval foi inesquecível por dois motivos. Primeiro porque, com o remelexo de um passista coreano, nunca imaginei que um dia teria a coragem de pisar no sambódromo do Anhembi. A façanha só se tornou possível graças à perseverança da minha esposa, esta sim uma passista de “levantar a arquibancada” e que, desde adolescente, sempre foi completamente apaixonada pela Saracura, como é carinhosamente chamada pela comunidade. Ela me levou a praticamente todos os ensaios até que eu também me rendesse ao amor pela escola e sua gente guerreira e conseguisse aprender os poucos passos coreografados da minha Ala, que se chamava “Tiro ao Álvaro”, uma referência à música que Elis eternizou ao lado de Adoniran Barbosa.
Segundo porque eu não imaginava, e só vim a realizar com o passar do tempo, o quanto eu aprenderia sobre negócios desfilando em uma escola de samba com a história de tradição e luta como é a Vai-Vai, a maior campeã do Carnaval de São Paulo, com 15 títulos, e comemorando este ano 89 anos de sua fundação. Sim, meus amigos e amigas, a organização de uma escola de samba é de dar inveja a qualquer CEO que todos os dias batalha para manter uma empresa motivada, vibrante e resiliente.
A estrutura hierárquica segue o mundo corporativo. A escola tem um Presidente – atualmente quem ocupa o cargo na Vai-Vai é o gigante Darly Silva “Neguitão”, que com sua voz trovejante arrepia e coloca pra sambar e cantar os milhares de componentes que defendem a comunidade em cada centímetro dos 530 metros do sambódromo do Anhembi -; um Presidente de Honra, posição exercida pelo Thobias da Vai-Vai; um Diretor de Carnaval, um Diretor Geral de Harmonia e um Mestre de Bateria – que, me desculpem as demais escolas, mas Mestre Tadeu e sua bateria “Pegada de Macaco” são insuperáveis.
Tudo em uma escola de samba é orquestrado durante um ano para que nada saia errado nos 65 minutos de desfile. É preciso muita dedicação, planejamento, ensaio, broncas, ajustes, noites insones no barracão para que o sonho se torne realidade e encante o público.
O que vemos na avenida é resultado de muito samba, suor, sangue, lágrimas (e, claro, cerveja ;). O investimento é vultuoso e é preciso uma boa gestão financeira para que o desfile seja rico em detalhes que, como numa empresa, fazem toda diferença.
Quanto mais eu ensaiava e mergulhava no mundo da comunidade do Bixiga – os ensaios da Vai-Vai ainda são feitos na rua São Vicente, onde fica sua quadra – mais eu ficava impressionado com a paixão e a dedicação da comunidade pela escola. É uma religião. É uma paixão. É, como diz a cantora do enredo deste ano, Grazzi Brasil, uma “Escola de Vida”.
Cada quesito que avalia a performance de uma escola de samba é um detalhe que precisa ser cuidadosamente planejado e muito bem executado para conseguir uma nota 10 dos jurados.
O Samba-Enredo é o pulsar da escola. É escolhido entre vários que disputam a preferência da comunidade. Pode-se dizer que ganhar um carnaval começa pelo samba; se conquistar a arquibancada e todo mundo cantar a escola já é praticamente campeã. Um bom samba tem que ter uma boa história. E construir uma história conhecida e reverenciada por uma legião é tudo que uma empresa quer.
As Alegorias e Adereços são a embalagem de uma escola. Assim como nas marcas, precisam ser belas e traduzir o conteúdo e a proposta de valor do enredo, do produto que está sendo apresentado na avenida, no mercado.
A Bateria marco o ritmo, o compasso, o avanço da escola na avenida. Ela dita a harmonia e faz a alegria dos passistas. Cada instrumentista tem seu papel e, se sair do ritmo, compromete o desempenho de todos os demais. Se um se perde, todos se perdem. Não é à toa que uma boa bateria precisa da liderança e do pulso firme e forte de um Mestre. Na Vai-Vai, Mestre Tadeu montou um time de músicos que, sob sua batuta, se tornou conhecida por uma batida que só a escola do Bixiga tem. Se permita um dia ver de perto a “Pegada de Macaco” e entenderá o que estou dizendo.
A Harmonia é o que mostra o quanto os passistas estão alinhados, ensaiados, cantando a uma só voz a mesma música, com intensidade, paixão, seguindo o puxador do samba sem atravessar e errar a letra. É o time dos sonhos de qualquer líder. Um time que empresta sua voz para que, juntas, sua marca seja conhecida e desperte alegria e paixão.
O Conjunto é a percepção geral que o jurado tem do desfile. Se há entrosamento entre as linguagens musical, dramática e visual. Se há coesão. Como em uma empresa, o alinhamento entre todas as áreas, do marketing ao comercial, do RH ao financeiro, tudo precisa funcionar de forma coordenada, organizada para que seja competitiva e digna de ser escolhida pelos jurados, pelos clientes.
As Fantasias precisam brilhar e ninguém pode destoar. Se alguém perde algum detalhe, algum adereço, a escola é punida. Cada ala, cada departamento, precisa representar muito bem a agremiação, a empresa, e refletir o enredo. O código de vestimenta (o dress code) deve seguir a filosofia (o enredo) da empresa e refletir a imagem que deseja construir em frente ao público.
A Evolução é essencial para fluidez do desfile, assim como a hora certa de colocar um produto no mercado (o time to market). A escola é penalizada se ela corre ou se atrasa na avenida e ficam buracos entre uma ala e outra. Uma empresa também perde mercado se lança um produto certo na hora errada.
O Mestre-Sala e a Porta-Bandeira representam a reverência e o respeito dos integrantes pela escola. É o agradecimento por toda alegria e emoção que a escola proporciona a cada um após um ano de muito ensaio. É, sob o ponto de vista de uma empresa, o símbolo da dedicação e da paixão empreendedora. É a união de um time sob um mesmo estandarte.
O Enredo é o laboratório de inovação e criatividade. A construção de uma nova história a cada ano, o recomeçar, o planejar mais uma vez, pensando em como cada detalhe, das alas, do grupo, da alegoria, irá representar a letra e transmitir aos jurados e ao público a emoção que a escola quer passar.
A Comissão de Frente, por fim, é o cartão de visitas de uma escola. Ela faz a saudação e a apresentação do que ainda está por vir nas próximas alas. Assim como em qualquer negócio, precisa causar impacto, ser inovadora, abrir as portas para conquistar o coração do público, dos consumidores.
Mas o mais impressionante em uma escola, o sonho de qualquer CEO, é que o salário de uma escola de samba é nada mais do que a Felicidade. O propósito é, simplesmente, ser feliz. É esta a moeda que você recebe em troca depois de muito sacrifício, muitas horas em pé e dias sem voz de tanto cantar o samba, que em 2015, assinado por Zeca do Cavaco, Zé Carlinhos e Ronaldinho FQD, sacudiu o Anhembi e fez da minha escola, a Vai-Vai, a Campeã do Carnaval! Com certeza Elis também sambou e cantou muito lá do céu.
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