7 de agosto de 2018 - 19h30
No rastro do anúncio recente da reestruturação do grupo Abril, tirando de circulação diversas publicações tradicionais do mercado e tristemente demitindo centenas de profissionais, majoritariamente jornalistas, não tenho receio algum em afirmar: essas publicações estão morrendo por falta de engajamento.
Engajamento é a palavra que define hoje em comunicação um conjunto de sinais de que seu conteúdo não só é relevante, mas que também é acessado, lido, comentado, compartilhado e, se tudo der certo, remixado.
E são vários elementos que garantem engajamento.
Tem a ver com forma de apresentar o conteúdo em si. O Twitter revolucionou a questão apostando em poucos caracteres e em contexto: frases rápidas, bem escritas, forçando o autor a escolher melhor cada palavra, que são visualizadas na hora exata em que são postadas, normalmente no momento preciso em que o assunto está quente, seja porque está numa hashtag nos trending topics, seja porque está passando na TV a final do MasterChef.
Tem a ver também com algoritmo. Facebook, Netflix, essa turma usa algoritmos que analisam nosso hábito de consumo de conteúdo para entregar para a gente exatamente o que queremos ver: são as bolhas de consumo de conteúdo/notícias. Considerar os dados do que está sendo lido, e como o conteúdo está sendo consumido, mensurar essas bolhas de conteúdo antes de colocar uma história na rua, são fundamentais para garantir o engajamento. Ou seja, hoje, para criar conteúdo com garantia de entrar também nessas conversas e ocupar essas bolhas, não basta ser criativo, tem que entender de algoritmo.
Falando em entrar nas conversas e ocupar bolhas, hoje depende também de engajamento a forma como as notícias, informações e conteúdo chegam às pessoas. Principalmente no Brasil. De acordo com um estudo conduzido pelo Instituto Reuters de Jornalismo em 2018, 48% dos brasileiros ficam sabendo de notícias pelo WhatsApp. Em países como Estados Unidos e Inglaterra, os números são bem diferentes. Apenas 3% e 5% dos entrevistados, respectivamente, veem apps de mensagens como fonte de notícias. Ora, vejam só, não só ninguém vai mais numa banca de revista para saber o que está acontecendo, como também ninguém mais sequer abre uma revista para saber o que está acontecendo, as notícias são entregues nos seus smartphones por recomendações de amigos, conhecidos ou familiares.
Se a taxa de assinantes de jornais e revistas impressas caem vertiginosamente, hoje você tem todo um submundo de assinatura de grupos de WhatsApp, pessoas que pagam de 10 a 15 reais por mês para participar de grupos que vão desde informações do trânsito, música sertaneja, curadoria de memes, futebol, etc. Essas pessoas pagam para estar num ambiente onde possam debater o assunto apenas com quem tem os mesmos interesses, para receber conteúdo relevante e, acima de tudo, para receber no seu próprio WhatsApp – em primeira mão – algo que eles mesmos possam encaminhar dentro dos demais grupos em que participam. O chamado “dark social”, ambientes fechados de trocas de mensagens como Whatsapp, Telegram e grupos privados de Facebook já são, no Brasil, a grande fonte de conteúdo e notícias para a maioria dos brasileiros. Doa a quem doer.
As revistas, que reinaram sozinhas como donas da relevância e do conteúdo no passado, acabaram ficando tecnologicamente para trás, com uma estrutura organizacional pesada, do tempo em que uma página de revista eventualmente tinha preço de anúncio de TV, com seus editores e chefes de redação-celebridades, e uma direção que não enxergou a força de engajamento dos novos textos sendo produzidos nas redes sociais. Uma gigante resistência dessas instituições de engajarem nesse novo mundo. Hoje, para muitos, Hugo Gloss é mais influente do que a Veja, Gabriela Pugliese, sozinha, é mais relevante, influente (e lucrativa) que a finada revista Boa Forma. Todos sabemos que o jornalismo tradicional nunca fez tanta falta, em tempos de fake news talvez nunca tenha sido tão importante, mas o mundo que vivemos infelizmente é assim, e esse contexto atual na prática não tem nada a ver com o conteúdo, mas sim com a capacidade que o conteúdo tem de engajar. E com a nossa de nos adaptar.
Quando falamos de engajamento, não me refiro apenas à capacidade de conexão do texto, mas também na coragem que essas empresas precisam ter para engajar num novo modelo de negócio. A Cosmopolitan, por exemplo, tornou-se uma revista extremamente relevante para o seu segmento no país, caminho que a Glamour e outras também estão trilhando, mas se a área comercial (ou a tecnologia comercial) não acompanha, então o que fazer?
Os velhos modelos não nos levam a trilhar novos caminhos, é o oposto. E toda estrutura comercial dessas revistas nos levava enquanto agências de comunicação a comprar uma mídia que não faz mais o menor sentido. Dificilmente eles sabem vender outra coisa que não página de revista, assim como muitas agências também dificilmente sabem comprar além disso. Comunicação ainda se faz muito com relacionamento – ou engajamento – do que com compra de mídia. O que mudam são os agentes, os formatos e, principalmente, o propósito.
Nesse cenário, agências não podem mais se estruturar à sombra da mídia paga, assim como assessorias não podem se orientar pela pauta no impresso. Precisamos focar recursos em criar assets que garantam uma mensagem com qualidade criativa e com grande capacidade de engajamento. Ponto. Pode ser uma série de posts temáticos, pode ser uma maneira inovadora de contar uma história, pode ser um meme que precise de um empurrãozinho editorial, pode ser a foto de um outdoor. E, claro, prever e ampliar o engajamento dessa foto com a ajuda de dados e algoritmos. O fato é que o que está matando as revistas também está transformando as Relações Públicas como conhecemos.
Olhando por esse prisma, um mundo inteiro de possibilidades se abre, pois, afinal de contas, nunca se consumiu tanto conteúdo, nunca se compartilhou tanto conteúdo, nunca houve tanta tecnologia disponível a favor da criatividade e da distribuição de conteúdo e, ao mesmo tempo, nunca as marcas valorizaram tanto earned media e PR. São novos tempos, novos modelos são necessários para nos levar a trilhar novos caminhos. Foram desafios assim que transformaram a indústria da televisão, antes dita como moribunda e que, pós-streaming, tornou-se a mina de ouro do entretenimento. Ainda há essa possibilidade para o mercado editorial, mas não, nunca e jamais sem engajamento.