O tabuleiro político das marcas
Queiram as empresas ou não, os consumidores cada vez mais interpretam suas ações politicamente, colorindo marcas de vermelho ou azul (e, no Brasil, de verde e amarelo)
Queiram as empresas ou não, os consumidores cada vez mais interpretam suas ações politicamente, colorindo marcas de vermelho ou azul (e, no Brasil, de verde e amarelo)
16 de setembro de 2019 - 15h00
Na polarização entre direita e esquerda que mobiliza o planeta, surge um movimento nas marcas que permeia a política de várias formas. Nos Estados Unidos, a guerra entre o vermelho dos republicanos e o azul dos democratas é exemplo disso. A discussão entre os partidos ficou mais acalorada recentemente, quando a Hasbro, dona do jogo de tabuleiro Monopoly, lançou o Monopoly Socialism. O jogo começa com uma alocação de dinheiro no Fundo Comunista, dilapidado para financiar programas de proteção social. No final, ninguém ganha: esse é um jogo “onde todos perdem.”
A opinião pública e os democratas caíram em cima da Hasbro. Já os republicanos aproveitaram a paródia para tirar onda. O jogo, que antes custava cerca de US$ 19.99, agora é vendido a partir de US$ 98 na Amazon. Seria a aplicação da lei de mercado da oferta e da procura na prática? Em declaração realizada na última edição da revista Forbes, o presidente global da empresa, Brian Goldner, afirmou que a Hasbro não fabrica jogos, mas conta histórias. Esse depoimento é verdadeiro para o Monopoly, que acumula mais de 1.110 versões desde 1935. Para cada produto, há uma história a se contar. Mesmo que algumas delas incomodem certos grupos, elas continuarão a ser contadas, conscientes de que a narrativa política faz parte da sociedade. Em um mundo em que a polarização partidária permeia o dia a dia das pessoas, isso é fundamental, porque o produto reflete, de fato, comportamentos. É um amparo para a identidade dos consumidores.
Com suas milhares de versões, o Monopoly é também um produto que facilita relações. Sua atração está na customização e no fato de que cada oferta é única e colecionável. Ele une fãs e impulsiona vendas pelo simples fato das pessoas se sentirem parte de um grupo, que direciona seus gostos. A narrativa política aqui é parte de algo maior: o que importa é a renovação do produto e sua oferta, que estimula a criação de uma comunidade ao redor da marca. É nesse momento que Monopoly se transforma de um jogo de tabuleiro para um meio de comunicação entre seus consumidores. Um canal que usou a política para provocar discussões em seu meio e ampliar sua visibilidade em escala global.
Não há conflitos em propor ao mercado um produto que assuma uma postura política. Monopoly não está sozinho nisso. Nos anos 1960, os Estados Unidos viam em kombis produzidas pela Volkswagen um símbolo para a era hippie. A cultura punk na Inglaterra dos anos 1970 estava nos pés de quem calçava Doc Martens.
Ao admitir que Monopoly Socialism traz um posicionamento político, fica para o mercado a constatação de que a Hasbro não está alheia aos acontecimentos do mundo. Isto faz toda a diferença. Marcas que não ponderam e não refletem acontecimentos sociais não percebem que estão diante de uma fonte substancial de receitas. Há riscos, claro. O jornalista Arwa Mahadawi, do The Guardian, verificou que os negócios de Donald Trump têm sofrido quedas de faturamento após sua ascensão à presidência dos Estados Unidos. O logotipo da empresa tem desaparecido das fachadas de condomínios na cidade de Nova York, e os entrevistados pela reportagem indicam como “a marca não é mais sinônimo de um produto premium, mas sim, de preconceito e vergonha.”
Por que, então, as empresas e seus investidores devem assumir esse risco? Porque um comportamento político confirma como uma marca se conecta ao princípio humano de assumir uma posição dentro da sociedade. Já que o comportamento das pessoas não é sempre racional, previsível ou imparcial, as marcas devem se abrir para a possibilidade de perder algumas receitas, mas nunca deixar de dialogar e evoluir junto com a sociedade.
Monopoly Socialism é um risco calculado. Primeiro, por ser só mais uma peça de um amplo portfólio para um público que já é fiel. É uma ação que amplia debates para uma comunidade que ama a marca e não pensa no produto apenas como um veículo político. Segundo, por abordar questões que dizem respeito à sociedade e ao momento de tensão política. É uma forma de se posicionar e marcar um território diante de audiências que pedem por isso. Neste momento altamente polarizado pelas pessoas e pela mídia, é cada vez mais difícil para as marcas não incomodar pelo menos algumas pessoas com suas narrativas. Queiram as empresas ou não, os consumidores cada vez mais interpretam suas ações politicamente, colorindo marcas de vermelho ou azul (e, no Brasil, de verde e amarelo).
As marcas vencedoras serão aquelas capazes de balancear interesses pessoais e corporativos. Algo que a Hasbro parece fazer muito bem: segundo a Nasdaq, em 2019, as ações da empresa tiveram um retorno de 37% para seus investidores. Ests índice é 16% maior do que a média das companhias listadas na S&P500. No tabuleiro da política, as jogadas da empresa parecem estar do lado dos vencedores.
*Crédito da foto no topo: Reprodução
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