O uso inteligente da IA no jornalismo
Entre os irresponsáveis que pretendem substituir 100% dos humanos por robôs e os puristas que não aceitam a IA como ferramenta de apoio há um enorme espaço
Entre os irresponsáveis que pretendem substituir 100% dos humanos por robôs e os puristas que não aceitam a IA como ferramenta de apoio há um enorme espaço
Atire o primeiro mouse o gerente de empresa jornalística que, preocupado pelos números que não estão aparecendo, não pensou em uma operação de corte de cabeças, substituídas por inteligência artificial (IA). A opção rasa, sem considerar o talento humano, rondou redações de todo o Brasil – e, salvo exceções, do mundo inteiro. Trata-se de uma decisão desesperada para entregar aos acionistas contas no positivo. E que, claro, é um tremendo tiro no pé. Véspera do desaparecimento da marca.
Só que entre os irresponsáveis que pretendem substituir 100% dos humanos por robôs e os puristas que não aceitam a IA como ferramenta de apoio ao jornalismo há um enorme espaço. O desenvolvimento das máquinas é real, está no dia a dia e, portanto, pode – e deve – conviver com o bom jornalismo. O problema é ajustar essa parceria. A IA está presente nos estudos de audiência, por exemplo, avaliando o comportamento de cada usuário (aliás, os algoritmos do Google nada mais são que ferramentas de IA, alimentadas pelos movimentos de navegação de cada indivíduo).
No departamento comercial há IA atuando nos dois lados: no veículo que tenta convencer o cliente a colocar seu anúncio – e aí aparecem boas estatísticas de alcance – e na empresa que consegue saber antecipadamente os efeitos dos anúncios em cada mídia e veículo. Assim, cada lado tenta dar mais valor ao seu negócio e o facilitador das estatísticas é, outra vez, a inteligência artificial.
A produção de conteúdo, contudo, é onde ainda existem dúvidas sobre o uso salutar da IA. Como escreveu o semiólogo Umberto Eco ao avaliar a chegada da televisão em um mercado dominado pelo rádio, não se deve ser nem apocalíptico nem integrado. Inteligência artificial existe. E desde a popularização de ferramentas como ChatGPT e Bard, virou assunto de intermináveis discussões de executivos de empresas de comunicação.
Um ótimo exemplo de como fazer a IA trabalhar em benefício do bom jornalismo vem do sueco Aftonbladet, líder nacional. O trabalho jornalístico segue o mesmo, feito por ótimos repórteres, com supervisão de talentosos editores. Mas a máquina produz uma versão reduzida, imediata, que ajuda os leitores sem tempo para ler a matéria completa. Outros veículos já estão fazendo o mesmo.
Um exemplo de uso, a cada dia mais popular nas redações, é a máquina degravando entrevistas. Para que perder tempo escutando uma hora de conversa, quando a ferramenta oferece a conversa em texto? Segundo recente pesquisa da WAN-Ifra (Associação Mundial de Jornais), metade das redações do mundo usa inteligência artificial de maneira habitual, mas apenas 20% têm uma política definida para isso. Esse é o grande risco – que pode acarretar em produção de fake news sem que esse seja o objetivo, claro.
Todos os programas de IA generativa se baseiam em conteúdos já produzidos. Ou seja, há um banco de dados de permanente alimentação que faz com que a máquina esteja sempre bem-informada. Só que não são claros os critérios para essa busca. Então entram tanto os conteúdos confiáveis como os duvidosos. É a regra, a forma de gerar novos conteúdos.
Se os meios de comunicação quiserem sobreviver em tempos de IA, será preciso entender a inteligência artificial e as ferramentas oferecidas. E adotar estratégias de manutenção do valor mais básico da mídia: a confiança nos conteúdos produzidos. Sem isso, a audiência desaparece. A marca logo depois.
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