O valor do propósito
As empresas que não o tiverem e que não souberem fazer dele a sua própria alma, não terão a menor chance de sobrevivência
As empresas que não o tiverem e que não souberem fazer dele a sua própria alma, não terão a menor chance de sobrevivência
Em maio, visitei a Singularity University, localizada no Vale do Silício, na Califórnia, e participei de um programa executivo que acabou sendo marcante nesta minha trajetória de quase 40 anos no mundo empresarial. Há algum tempo, acompanho o desempenho dessa universidade, interessado no experimento educacional fundado pelo icônico Raymond Kurzweil, diretor de engenharia do Google e referência mundial para assuntos ligados à inteligência artificial (IA). Por maiores que fossem as minhas expectativas, a experiência conseguiu superá-las, não apenas pelos instigantes conceitos do avanço da tecnologia e o consequente alcance próximo dos instantes e eventos característicos da disrupção, como também pelo impacto que isso já vem produzindo na vida das pessoas e no ambiente das empresas.
A mudança acelerada do ambiente de negócios e das necessidades de reposicionamento empresarial estão exigindo novos métodos de gestão e de estratégias, ajustados à realidade atual. Há pouco tempo, as empresas eram percebidas quase que exclusivamente por sua capacidade de gerar empregos, de produzir resultados e de entregar produtos e serviços com boa aceitação por parte de seus públicos — o que se tornou um objetivo ultrapassado.
Os clientes não aceitam mais produtos e serviços de empresas que poluem o meio ambiente ou o entorno de suas instalações e empreendimentos.
Esses mesmos clientes passam a rejeitar também marcas que, de alguma forma, contribuam para a violência ou a instabilidade social, como também rejeitam aquelas cuja imagem fique associada a escândalos ou à falta de ética nas suas relações. O que todos esperam e exigem é um compromisso muito mais amplo, incluindo uma inserção responsável na própria sociedade que lhe envolve ou com quem ela se relaciona.
O conceito não é tão revolucionário assim. Em 1984, o filósofo e professor universitário Robert E. Freeman apresentou a “teoria dos stakeholders” para indicar todos os públicos, segmentos e setores interessados, envolvidos ou afetados por um determinado projeto, empreendimento ou iniciativa. A definição abrangia desde os acionistas, dirigentes e colaboradores, como também os fornecedores, clientes, investidores, associações empresariais, sindicatos, repartições e órgãos governamentais, além das comunidades e públicos diretamente afetados por suas atividades.
Na defesa de Freeman, considerar toda essa variada multiplicidade de interesses, fazendo a ponderação certa e justa de cada classe, passou a ser a base de toda a difícil arte da gestão empresarial moderna. Mas, se esses conceitos já existiam e eram praticados em grupos empresariais modernos e bem estruturados, onde está a revolução contida nos ensinamentos colhidos na Singularity University? A resposta está no “propósito”.
O “propósito” é a alma da empresa, o motivo de sua existência, a essência daquilo que a torna exclusiva, única e indispensável. É o conjunto de características operacionais que fazem com que os seus públicos corram em sua defesa diante de ameaças ou perigos circunstanciais. Joseph A. Reiman, influente publicitário norte-americano, definiu propósito como um modo único e autêntico de atuação com o qual uma marca faz a diferença. Ou seja, além de atender com justa e harmoniosa ponderação os interesses de todos os seus stakeholders, a empresa terá de ser um instrumento de transformação, que contribuirá para o progresso da humanidade.
Volto dessa experiência com a convicção fortalecida de que as empresas que não tiverem um propósito e que não souberem fazer dele a sua própria alma, não terão a menor chance de sobrevivência. Não conseguirão contar com uma equipe engajada, inclusive para os processos de governança coorporativa, como também não serão eficazes nas tarefas fundamentais de atrair e reter os melhores talentos e de motivá-los para uma carreira dedicada, confortável e feliz. Aquelas empresas que se constituírem a partir de um propósito válido e consistente, poderão se materializar como instrumento de transformação e participar sustentavelmente do progresso da civilização, nas suas respectivas áreas de atuação ou de influência.
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